No dia 7 de abril, mulheres esquecem festa e cozinham para deslocados

Um grupo de mulheres de Pemba decidiu ontem trabalhar, em vez de descansar no feriado do Dia da Mulher Moçambicana, preparando refeições para os deslocados do ataque a Palma, Cabo Delgado, norte do país.

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O dia 7 de abril é o escolhido por tradição para grupos de mulheres organizarem convívios, mas para estas, hoje será diferente.

“É complicado outros estarem a passar mal, a sofrer, sem abrigo e nós estarmos a festejar”, explica à Lusa Cecília José, 41 anos.

“Vale a pena estar aqui a tentar ajudar. Pode não ser muita coisa, mas serve para tentar minimizar o sofrimento deles”.

Cecília é uma das 10 mulheres da paróquia de Santo Agostinho que hoje, desde manhã cedo, começou a preparar o lume debaixo dos cajueiros da casa religiosa dos Missionários Passionistas, em Pemba.

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Com os panelões e grelhadores em posição, às 08:30 já se cozinhava arroz e esparguete e preparavam-se frangos no churrasco para servir o almoço a cerca de 250 pessoas.

São deslocados que não têm família nem amigos para os acolher em Pemba, para onde fugiram após o ataque de 24 de março, e assim estão no pavilhão desportivo do bairro Expansão, transformado em centro de acolhimento temporário.

“Nós, mulheres, cozinhamos, os homens vêm transportar e depois vamos lá distribuir. É um trabalho de equipa. Também é uma forma de lhes fazermos companhia”, descreve Ester Duarte, 23 anos.

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“Eles estão deslocados. Também acredito que quando chegar a nossa vez alguém poderá fazer algo por nós”, refere.

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Ermelinda Raul, 33 anos, pensa sobretudo nos mais novos.

“São refeições para crianças que não têm pai, nem têm mãe, que perderam toda a família”, descreve à Lusa, enquanto junta mais arroz ao panelão.

Algumas das mulheres vivem o drama dos deslocados nas suas próprias famílias.

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“Quando os insurgentes entraram na aldeia de Litamanda [distrito de Macomia], a minha família ficou desaparecida durante algum tempo”, recorda Cecília José.

“Depois conseguimos localizá-la, mas não estão nas suas residências, estão na nossa” onde todos se entreajudam: “uma pessoa tira alguma coisa para roupa, outra para a capulana [tecido tradicional] ou para comida, mas não é suficiente”.

O que virá a seguir? “Não sei, mas gostaria que isto terminasse”, resume.

Os ataques são só uma ponta do problema que se estende desde as zonas de conflito até Pemba e outras cidades, seguras, mas agora sobrelotadas com a vaga de 700.000 deslocados em três anos e meio de conflito.

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“Tenho em casa dois refugiados, meus cunhados, que vieram de Macomia e precisam muito de ajuda”, disse Aljira Tacual, 27 anos, depois de preparar mais uma grelha de frangos.

Falta trabalho e a única maneira de tentar obter algum dinheiro é procurando biscates, como por exemplo, a limpar quintais.

Aljira e o marido já conseguiram limpar alguns, trabalhos pontuais, pagos ao dia, “mas nada garantido para um mês”.

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Será que as coisas vão melhorar? “É muito difícil. Não tenho a certeza que vá melhorar. É muito triste”, conclui.

É altura de fechar os panelões e distribuir um almoço diferente.

Após uma manhã de preparação, as refeições são entregues em poucos minutos, prato a prato, a cada elemento de cada família.

Alguns dos pratos ficam reservados a um canto, tapados com o que há, para matar a fome quando voltar a apertar.

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