É bem provável que já tenha vivido este cenário. Através das aplicações Zoom, House Party ou WhatsApp, sentou-se para conversar com alguns amigos neste período de quarentena para evitar o contágio do novo coronavírus, cada um com o seu copo e nas suas respetivas casas. Provavelmente já viu e riu dos vídeos e fotografias de pessoas a brindar consigo mesmas ao espelho. Tudo parece muito engraçado, mas a mudança de rotina de trabalho e a falta de horários fixos podem ser consideradas pontapés para um maior consumo de álcool.
Com o stress e a ansiedade causados pela pandemia atual, beber ajuda a bloquear esses sentimentos, tanto cognitiva quanto quimicamente, mascarando as emoções. Obviamente que todos sabemos que a bebida alivia a curto prazo, mas traz malefícios a médio e longo prazo. « Aumenta a ansiedade, aumenta a depressão e aumenta um conjunto de doenças físicas relacionadas ao seu consumo », aponta João Marques, Presidente da Sociedade Portuguesa de Alcoologia, diretor clínico da Clínica do Outeiro, em Gondomar, e médico psiquiatra na Casa de Saúde Santa Catarina, no Porto.
O isolamento é um dos estágios definidos do alcoolismo, portanto pode favorecer o aumento do consumo de bebidas alcoólicas. « Mas nem todos os isolamentos » se aplicam, explica à Máxima João Marques, e detalha: « está muito dependente da nossa idade e da nossa etapa de vida. » Para os mais jovens, em geral, tem sido benéfica [a quarentena] em relação à redução do consumo de álcool, já que o seu uso se relaciona a festas e convívios à noite com amigos, fora de casa – o que tem não tem acontecido nas últimas semanas. « Há um estudo recente que mostra isso: neste último mês há uma baixa significativa do consumo de álcool, cannabis, haxixe e de outras drogas – mas principalmente álcool e cannabis – nos mais jovens ». Porém o consumo dos mais jovens é muito diferente de outras faixas etárias, que já se habituaram a levar o álcool para dentro de casa e a consumi-lo esporadicamente. « Os mais velhos estão mais isolados, perderam a sua rotina e têm aumentado o consumo », assegura o médico psiquiatra.
O isolamento é o aperitivo perfeito para acompanhar o álcool?
« Ficar sozinho é sempre um fator de risco para qualquer patologia a nível de saúde mental. Quando estamos sozinhos, sem ninguém, claro que não ficamos bem », reforça Mário Marques, psicólogo e presidente dos Alcoólicos Anónimos há 18 anos. Seguindo as instruções das autoridades públicas para o isolamento social, os grupos dos Alcoólicos Anónimos em Portugal suspenderam as suas habituais reuniões físicas. Porém, isolamento não significa falta de ajuda e o programa de recuperação têm-se feito com reuniões via Skype, acessíveis aos membros da organização e a qualquer doente alcoólico que cumpra com o requisito de querer deixar de beber. O anonimato de cada participante continua a ser assegurado.
« Costumava-se dizer que o álcool era o maior antidepressivo que se vendia em Portugal. Sobretudo aos homens que não iam ao psicólogo e ao psiquiatra e procuravam no álcool uma espécie de antidepressivo para curar as suas angústias », lembra Mário. Mas os tempos mudaram e não significa que esteja a tornar-se alcoólico só porque está a beber um copo para aliviar a tensão. « Eu conheço muitos alcoólicos que bebem para aliviar uma tensão emocional, como conheço muitos alcoólicos que bebem porque gostam. » A primeira razão pela qual um alcoólico bebe é por isso mesmo, porque gosta de beber e gosta do efeito que o álcool lhe transmite, explica-nos o psicólogo, reforçando que o alcoolismo é uma doença crónica e que não tem cura.
« E outro aspeto muito importante é que é uma doença progressiva, portanto a pessoa vai bebendo e instala-se ao longo do tempo. E a pessoa para atingir o determinado efeito que procura – pode ser desse alívio da tensão emocional, como pode ser a procura de uma adrenalina, de ficar eufórico, por exemplo – é uma procura desenfreada da intensificação das sensações« . Mário explica que uma pessoa sem dependência pode conversar com um amigo e sentir-se bem e preenchido, porém o alcoólico irá procurar uma bebida para intensificar àquela sensação de bem-estar.
O efeito do consumo do álcool pode ser negativo proporcionalmente ao seu consumo. « Também as consequências vão aumentando do ponto de vista psicológico, físico, social, espiritual e etc… », enumera o presidente do AA.