Arica, Chile – 28 de julho de 2025
Com anotações em caneta azul, membros da gangue venezuelana Tren de Aragua registraram até os gastos mais triviais: 15 dólares para um Uber de um traficante, 9 dólares por café instantâneo durante um turno de vigia, 34 dólares para materiais de limpeza de câmaras de tortura. As planilhas detalhadas, apreendidas durante operações policiais na cidade de Arica, no norte do Chile, revelam uma estrutura contábil digna de uma multinacional.
Esses documentos, compartilhados com a Associated Press, representam a documentação mais completa já obtida sobre o funcionamento interno da temida organização criminosa latino-americana, designada como grupo terrorista estrangeiro pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump.
Graças a uma investigação conduzida por anos pelos procuradores chilenos em Arica — que resultou em sentenças severas para 34 réus em março — o Chile desmantelou um dos braços mais violentos da gangue, os chamados Los Gallegos. Novas condenações este mês somaram 300 anos de prisão para uma dúzia de líderes. O sucesso contrasta com a estratégia de expulsões em massa adotada por Trump, que, segundo analistas, perde a oportunidade de desmantelar a rede criminosa.
“Eles estão apenas tirando a ponta do iceberg das ruas”, afirma Daniel Brunner, ex-agente do FBI. “Não estão investigando como o grupo realmente opera.”
A ascensão do crime transnacional
Mafias como o Tren de Aragua impulsionam uma onda de violência sem precedentes em países antes pacíficos como o Chile, e consolidam poder em nações como Honduras e Peru. As organizações criminosas penetram a burocracia estatal e minam a estabilidade democrática.
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Comprar um espaço para minha empresa.“Não é corrupção comum com envelopes de dinheiro,” diz Rubén Vargas, ex-ministro do Interior do Peru. “É ter operadores criminosos com poder no sistema político.”
O Chile, considerado um dos países mais seguros e menos corruptos da América Latina, foi surpreendido pelo aumento de sequestros, esquartejamentos e crimes bárbaros.
Hoje, três anos depois, Arica é vista como caso-modelo de combate ao crime organizado.
Planilhas, emojis e cadernetas do terror
Com documentos recuperados em 2022, o promotor chileno Bruno Hernández conseguiu levar à justiça dezenas de membros da gangue. As planilhas revelam uma burocracia rígida e hierárquica, com lideranças centrais e autonomia regional.
“Precisávamos provar a estrutura e o padrão, senão seriam julgados como criminosos comuns,” explica a assistente jurídica Esperanza Amor.
As principais fontes de renda eram o tráfico de pessoas e a exploração sexual, com o grupo ficando com metade do lucro das mulheres exploradas, além de descontar despesas como aluguel e comida.
Coordenadores regionais ganhavam até 1.200 dólares por mês, pistoleiros até 1.000 dólares por assassinato, e a maioria recebia bônus de Natal de 200 dólares.
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Anuncie aqui: clique já!As comunicações internas usavam emojis codificados: uma cobra para traidores, um osso para dívidas, um abacaxi como esconderijo e uma nuvem de chuva para alertas de batidas policiais.
Da tortura à justiça
Os criminosos torturavam desertores em câmaras clandestinas, amarrando vítimas, aplicando choques e mutilando dedos — tudo filmado. Corpos eram encontrados em malas ou enterrados vivos sob cimento.
Entre 2019 e 2022, os homicídios em Arica aumentaram 215%. Após as prisões, o índice caiu de 17 para 9,9 assassinatos por 100.000 habitantes.
“Foi um marco”, diz o promotor Mario Carrera. “Até então, atuavam com total impunidade.”
A gangue não desaparece: apenas se adapta
Apesar da repressão, ameaças de extorsão continuam a ser feitas a partir das prisões, indicando que os Los Gallegos se reagrupam.
A eleição presidencial no Chile, marcada para novembro, tem como tema dominante a segurança pública. O favorito é o candidato de extrema-direita José Antonio Kast, que promete construir muros na fronteira e deportar migrantes ilegais “a qualquer custo”.
“O crime organizado sempre se adapta,” alerta Hernández. “Precisamos estar à frente.”