A segurança da província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, é um dos principais desafios para garantir a estabilidade na região do Canal de Moçambique, uma rota marítima essencial para o comércio internacional. A sua estabilização é fundamental para a retoma de projectos energéticos de grande escala, cuja concretização é aguardada com expectativa não só por Moçambique e os seus países vizinhos, mas também por mercados estratégicos na Europa e na Ásia.
Após cinco anos de conflito armado protagonizado por grupos jihadistas, a situação no terreno começa a apresentar sinais de melhoria. Centenas de milhares de deslocados estão a regressar às suas comunidades e algumas empresas retomaram as suas operações, embora num contexto ainda frágil. As Forças de Defesa e Segurança continuam em patrulhas regulares e há relatos de confrontos esporádicos no interior da província. Apesar disso, cresce a confiança na possibilidade de recuperação da estabilidade, numa região de grande valor geoestratégico.
Canal de Moçambique: corredor vital entre África, Ásia e Europa
Com 1.700 km de extensão e cerca de 419 km na sua parte mais estreita, o Canal de Moçambique separa a ilha de Madagáscar da costa moçambicana. Por esta via circulam anualmente cerca de 5.000 embarcações, incluindo 30% do tráfego petrolífero mundial. O canal é essencial para os países da África Oriental e Austral, sobretudo os sem acesso directo ao mar, que dependem desta ligação para as suas exportações. A zona é também rica em recursos haliêuticos, minerais e, sobretudo, gás natural, desde a descoberta de enormes reservas em alto-mar.
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Em Outubro de 2011 foi descoberto um importante jazigo de gás natural a 40 km da costa de Cabo Delgado, com reservas estimadas em 5.000 mil milhões de metros cúbicos. Esta descoberta posiciona Moçambique como potencial 4.º maior exportador mundial de GNL na próxima década, uma oportunidade histórica para um dos países mais pobres do mundo.
As reservas concentram-se em dois blocos offshore:
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Bloco 4, liderado pela Eni (Itália) e ExxonMobil (EUA), com participação da Galp Energia (Portugal), KOGAS (Coreia) e CNPC (China), no projecto Coral South FLNG.
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Bloco 1, operado pela TotalEnergies (França), com parceiros como Mitsui (Japão), PTTEP (Tailândia), ONGC, Bharat Petroleum e Oil India (Índia), no projecto Mozambique LNG.
A ameaça jihadista e a resposta internacional
Desde 2017, o grupo extremista Ansar al-Sunna, também conhecido por Al-Shabab e aliado ao Daesh desde 2019, realizou mais de 800 ataques, que resultaram em mais de 4.500 mortos e o deslocamento de 800.000 pessoas, segundo dados da ACLED e do ACNUR. A tomada de Palma, em Março de 2021, forçou o consórcio Mozambique LNG a declarar força maior e a suspender operações até ao restabelecimento da segurança.
Este episódio levou à mobilização de parceiros internacionais. A União Europeia, os EUA, Portugal e a SADC (com tropas do Ruanda, Botswana, África do Sul, Zimbabué e Tanzânia) uniram esforços, conseguindo conter o avanço jihadista. Estima-se que o número de combatentes caiu de 2.500 em 2021 para menos de 300 em 2024. A UE reforçou o apoio às tropas da SADC em 2023, depois de já ter atribuído 20 milhões de euros ao Ruanda em 2022.
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Anuncie aqui: clique já!Ao mesmo tempo, o canal é usado para tráfico de drogas, incluindo heroína afegã, o que constitui uma fonte de financiamento para os insurgentes. As cidades costeiras tornaram-se estratégicas para o jihadismo e o crime organizado, numa dinâmica que levanta o receio do surgimento de pirataria na região. O governo moçambicano declarou uma zona de 50 milhas náuticas ao largo de Cabo Delgado como perigosa para a navegação comercial, contando com o apoio da marinha sul-africana desde 2011.
Gás natural como alavanca de desenvolvimento
Com a melhoria gradual da segurança, o governo e os operadores internacionais começam a preparar a retoma dos projectos. No início de Junho, o Presidente Executivo da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, confirmou que estão criadas as condições para retomar o projecto Mozambique LNG, em articulação com o Estado moçambicano. O FMI estima receitas de 100 mil milhões de dólares em 25 anos, podendo elevar Moçambique à categoria de país de rendimento médio.
Os países da SADC olham para o gás moçambicano como essencial para a electrificação e o crescimento económico da região. O Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa sublinhou a importância da segurança energética para os países africanos, lembrando que 600 milhões de africanos continuam sem acesso à electricidade.
No plano global, os projectos moçambicanos são vistos como alternativa ao gás russo na Europa e como recurso estratégico para a Ásia, onde países como a Índia e a China procuram substituir o carvão para reduzir emissões. No total, os diferentes projectos poderão produzir até 31 milhões de toneladas de GNL por ano, o que representa um terço das importações actuais da União Europeia.
A estabilização da província de Cabo Delgado e do Canal de Moçambique é uma prioridade geopolítica para a região e para o mundo. O sucesso dos projectos de gás natural pode transformar Moçambique, reforçar a coesão da África Austral e garantir segurança energética a nível global, fazendo desta zona um novo pólo de estabilidade e desenvolvimento no Oceano Índico.