A guerra no Sudão entrou num impasse estratégico. Ambos os lados apostam numa nova ofensiva, num carregamento de armas, numa aliança política inesperada — mas nenhum consegue obter uma vantagem decisiva.
Os grandes perdedores são os sudaneses. A cada mês, mais pessoas passam fome, são deslocadas ou vivem em desespero.
Em março, as Forças Armadas do Sudão anunciaram com triunfo a reconquista do centro de Cartum. Foram difundidas imagens do líder militar, o general Abdel Fattah al-Burhan, a caminhar entre as ruínas do Palácio Republicano, símbolo da capital, que estava sob o controlo das Forças de Apoio Rápido (RSF) desde o início da guerra em abril de 2023.
O exército utilizou armas recentemente adquiridas do Egipto, da Turquia e de países como o Qatar e o Irão. No entanto, a ofensiva estagnou rapidamente.
A RSF, liderada pelo general Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como « Hemedti », retaliou com um devastador ataque de drones a Porto Sudão, sede provisória do governo militar e principal ponto de entrada da ajuda humanitária.
Publicidade_Pagina_Interna_Bloco X3_(330px X 160px)
Comprar um espaço para minha empresa.Trata-se de drones sofisticados de longo alcance, cuja origem o exército atribui aos Emirados Árabes Unidos (EAU) — uma acusação que os EAU negam, apesar de múltiplos relatos credíveis de apoio logístico e militar à RSF durante os 27 meses de conflito.
Novas alianças e escalada regional
A RSF alargou também as suas operações a sul de Cartum, após Hemedti firmar uma aliança com Abdel Aziz al-Hilu, comandante rebelde do Exército de Libertação do Povo do Sudão-Norte, que controla as Montanhas Nuba, junto à fronteira com o Sudão do Sul. Este novo eixo poderá permitir a abertura de rotas de abastecimento até à Etiópia.
Enquanto isso, a capital do Darfur do Norte, el-Fasher, está sob cerco por forças da RSF. A cidade é defendida pelas Forças Conjuntas, uma coligação de ex-rebeldes da região, de maioria étnica Zaghawa, que enfrentam com resistência os ataques de milícias árabes aliadas da RSF.
Meses de bombardeamentos, bloqueios e ofensivas terrestres geraram fome extrema, especialmente no campo de deslocados de Zamzam.
As forças da RSF e as milícias aliadas têm sido acusadas de massacres, violações e limpeza étnica, com organizações de direitos humanos a denunciarem um possível genocídio contra o povo Massalit do Darfur Ocidental. Os Zaghawa temem que, caso as Forças Conjuntas sejam derrotadas, também eles sofram represálias sangrentas.
A pressão aumenta. Na semana passada, a RSF capturou postos fronteiriços no deserto junto à Líbia, antes controlados pelas Forças Conjuntas. O exército sudanês acusa combatentes leais ao general líbio Khalifa Haftar, apoiado pelos EAU, de participarem no ataque.
Sociedade civil fragmentada e sob ataque
Seis anos depois de terem derrubado, através de protestos pacíficos, o ditador Omar al-Bashir, os civis sudaneses estão desorganizados e divididos. Algumas facções apoiam Burhan, outras Hemedti, e outras tentam manter-se neutras, mas todas estão fragmentadas, polarizadas e ativas nas redes sociais.
Os comités de bairro, motores da revolução cívica de 2019, resistem como podem. Muitos transformaram-se em « Salas de Resposta de Emergência », assegurando a distribuição de alimentos e apoio humanitário. São considerados pelos especialistas como o canal mais eficaz de assistência humanitária.
Publicidade_Página Home_Banner_(1700px X 400px)
Anuncie aqui: clique já!Contudo, perderam grande parte do financiamento após a administração Trump encerrar a agência USAID, sem que outros doadores assumissem o vazio.
Exércitos rivais veem o ativismo civil como ameaça. Ambos reprimem com brutalidade, recorrendo a prisões, tortura e execuções sumárias contra trabalhadores humanitários e defensores dos direitos humanos.
Processo de paz inexistente e diplomacia bloqueada
Não existe, de momento, qualquer processo de paz credível. A proposta do enviado especial da ONU, Ramtane Lamamra, baseava-se na suposição irrealista de que o exército venceria a guerra, restando apenas negociar o desarmamento da RSF e a reconstrução nacional.
O general Burhan possui uma vantagem diplomática: a ONU reconhece o governo militar como legítimo, mesmo quando este não controla a capital.
Hemedti tentou formar uma administração paralela nas regiões sob domínio da RSF, mas sem reconhecimento internacional.
A conferência de abril, em Londres, liderada pelo ministro britânico David Lammy, terminou sem avanços. A discórdia entre a Arábia Saudita e os EAU bloqueou qualquer progresso diplomático.
Todos reconhecem que o conflito no Sudão é um problema africano que exige uma solução árabe. A paz em Cartum passa por Abu Dhabi, Riade e Cairo.
Para o Egipto, a grande incógnita é saber se Burhan conseguirá afastar-se dos islamistas que dominaram o país durante três décadas sob Bashir. Muitos desses islamistas participaram ativamente na recente vitória do exército em Cartum. O presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi apoia Burhan, mas teme pressioná-lo demasiado.
Enquanto isso, os EAU continuam envolvidos do lado da RSF. Drones atribuídos a Abu Dhabi reapareceram logo após a queda de Cartum, e os EAU enfrentam também uma pressão estratégica crescente, sobretudo por serem aliados atípicos de Israel no mundo árabe.
Publicidade_Pagina_Interna_Bloco X3_(330px X 160px)
Comprar um espaço para minha empresa.Humanidade esquecida, crise invisível
O mundo assiste em silêncio à maior e mais profunda emergência humanitária do planeta. Mais de 22 milhões de sudaneses estão deslocados, quase um milhão em situação de fome extrema.
Ambos os lados impedem o acesso de organizações humanitárias. O apelo das Nações Unidas por 4,2 mil milhões de dólares para ajuda vital estava financiado em apenas 13% no final de maio.
No cenário geopolítico atual, o Sudão é um órfão numa região em chamas. No entanto, as Nações Unidas e a União Africana ainda podem desempenhar um papel relevante — reafirmando os compromissos com os direitos humanos e a dignidade da vida.
O povo sudanês, que tanto já sofreu, merece esse mínimo de compaixão.