Ásia/China: O que é que sabemos sobre o rumor de um acidente com um submarino nuclear ao largo da costa da China no final de agosto?

Apesar de o tabloide “Daily Mail” afirmar a existência de um “relatório dos serviços secretos britânicos” nesse sentido, o desaparecimento de um submersível ainda não foi corroborado de forma independente.

Desde o final de agosto, muitos internautas e meios de comunicação social têm-se interrogado sobre o desaparecimento de um submarino nuclear da República Popular da China, que terá ocorrido na manhã de 21 de agosto, provocando a morte de toda a sua tripulação. A história, que tem sido objeto de muita especulação, ressurgiu esta semana, na terça-feira, 3 de outubro, com um artigo do Daily Mail, que afirma ter tido acesso a “um relatório secreto” dos serviços secretos britânicos que confirma a ocorrência de um acidente “a 21 de agosto” e especifica a hora: “Às 8h12 locais”. Segundo o Daily Mail, o submarino embateu numa corrente “utilizada pela marinha chinesa para armadilhar submarinos americanos e aliados”, provocando a morte de 55 tripulantes: “22 oficiais, 7 cadetes, 9 suboficiais e 17 marinheiros”.

A história surgiu nas redes sociais, nomeadamente em Taiwan, no próprio dia do alegado acontecimento. Duas contas em particular ajudaram a espalhar a notícia: a de Li-Meng Yan, um virologista controverso e muito crítico do regime comunista chinês, e a de Lu De, um opositor chinês exilado em Nova Iorque. Li-Meng Yan chamou a atenção do público há três anos, quando afirmou que os chineses tinham criado intencionalmente o Sars-CoV-2.

Na altura, a CheckNews dedicou uma longa reportagem em 2020 a estas duas personagens, relatando o incrível exílio de Li-Meng Yan nos Estados Unidos e a reputação sulfurosa de Lu De, um feroz opositor do PCC e um habitual falso jornalista.

Desmentido pelo Ministério da Defesa chinês

A CheckNews não conseguiu verificar se a virologista e o seu colega foram as principais fontes do boato. O que é certo é que desempenharam um papel importante para lhe dar credibilidade, alegando ter “documentos oficiais” que confirmam o desaparecimento – um briefing confidencial da Comissão Militar Central do Partido Comunista Chinês, de acordo com Li-Meng Yan.

Lu De deu vários pormenores, especificando que se tratava de um submarino de ataque nuclear do tipo 09III, que o acidente tinha ocorrido no Estreito de Taiwan e que o submarino tinha vindo do porto de Qingdao (no Mar Amarelo) e encalhado um pouco mais a sul, ao largo de Lianyungang. “O oxigénio na cabina esgotou-se, matando toda a tripulação de 22 militares, 7 cadetes, 9 suboficiais e 17 soldados”, afirmou Li-Meng Yan, fazendo o mesmo relato que o Daily Mail. O acidente, que terá provocado a morte de 55 pessoas, terá sido causado por uma avaria na corrente de ancoragem do submarino.

Questionado sobre o caso a 22 de agosto, o Ministério da Defesa de Taiwan afirmou não ter provas que sustentem “o rumor” de que um submarino teria encalhado no Estreito de Taiwan. O rumor foi também mencionado na imprensa taiwanesa, que citou Lu De como fonte, mas referiu que “os especialistas consideram que a profundidade do Mar Amarelo não é suficiente, pelo que, se o navio saísse do Mar Amarelo, teria sido detectado pelos países vizinhos”.

No Twitter, um investigador independente especializado em informações sobre submarinos, H. I. Sutton (anfitrião da conta e do site Covert Shores), manifestou o seu ceticismo e convidou a sua comunidade a enviar-lhe informações. Até à data, Sutton pôs em causa vários aspectos do caso: as reservas de ar dos submarinos nucleares podem ser contadas em meses, a corrente de ancoragem não deve constituir um problema para uma aeronave desta potência e uma tripulação pequena parece “invulgar”. Acrescentou que uma análise de imagens de satélite efectuada pela empresa polaca Satim não tinha conseguido detetar um submarino na região de Lianyungang.

Questionado durante uma conferência de imprensa a 31 de agosto sobre o rumor de um encalhe “perto do Estreito de Taiwan”, o Ministério da Defesa chinês declarou que essa informação era “completamente falsa”.

Cerca de dez dias mais tarde, o assunto voltou a ser abordado em vários sites de notícias, incluindo o Liberty Times de Taiwan. O rumor era que “um submarino nuclear 093 Changzheng 15” tinha explodido a 20 de agosto “no Mar Amarelo durante um teste de disparo de uma arma submarina durante um exercício de treino, matando centenas de oficiais e soldados”. Segundo o diário, circulam novos rumores sobre “oficiais e soldados que deviam ter regressado às suas bases no final de agosto, mas não foram para casa” e “disputas sobre a responsabilidade do acidente a nível militar”.

“Fuga dos serviços secretos britânicos”

O Liberty Times referiu ainda que um avião de reconhecimento nuclear WC-135 do exército americano, especializado na deteção de emissões radioactivas, foi avistado perto da costa onde terá ocorrido o incidente. Dois dias antes, o tabloide chinês Global Times tinha mencionado o acontecimento, referindo-se a um “avião espião americano” que tinha vindo observar manobras militares. A incursão de aviões do exército nesta região é regularmente denunciada pelas autoridades chinesas.

Se o misterioso relatório britânico mencionado pelo Daily Mail for verdadeiro, será que corrobora ou apenas transmite o rumor original? Na noite de 3 de outubro, os tablóides The Sun e The Mirror retomaram a história, atribuindo-a aos “serviços secretos britânicos”. No dia seguinte, o The Times noticiou a história, também citando “uma fuga de informação dos serviços secretos britânicos”, mas afirmando que “o Ministério da Defesa recusou comentar o artigo do Daily Mail”. Vários meios de comunicação social retomaram posteriormente a história, citando o Times como fonte.

No entanto, até à data, não foi identificada qualquer fonte oficial, nem qualquer prova substancial (deteção de imagens de satélite, em particular), que corrobore o rumor.

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