Dezenas de mulheres e esposas de pastores angolanos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), que dizem ter sido forçados a fazer vasectomia, marcharam sábado contra esta prática e exigiram mudanças na liderança da instituição em Angola.
Numa marcha de um quilómetro, as mulheres percorreram a avenida Ho-chi-min em direção à Praça da Independência, até à catedral do Maculusso, em Luanda, exibindo cartazes onde se podia ler « Não à violação da Constituição da República de Angola, não à evasão de divisas, não à vasectomia, que é um direito constituir família ».
Com os panfletos, as manifestantes lembravam aos « senhores bispos e pastores » que « altar é lugar santo », pedindo que « não mintam » no púlpito. O grupo foi obrigado, pela polícia, a parar a cem metros de distância da catedral do Maculusso.
No local, as mulheres gritaram palavras de ordem, leram uma moção de solidariedade às esposas e pastores da IURD, na qual apelaram a todas as organizações de mulheres em Angola, deputadas e organizações nacionais e internacionais que defendem os direitos humanos, em particular o das mulheres, para não ficarem alheios à causa.
« Instamos as instituições de direito, a comunidade internacional, em especial ao nosso Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço, que se faça justiça », refere a moção.
As mulheres referiram ainda que « é consabido que ocorrem no seio das esposas de pastores da IURD constantes violações dos direitos humanos, das convenções internacionais das quais Angola é signatária ».
« Por isso manifestamos toda a nossa solidariedade e gritamos não aceitamos a mutilação dos órgãos genitais masculinos, não à vasectomia imposta e não à exterminação da raça humana », exortaram as manifestantes.
Em declarações à agência Lusa, Nádia Monteiro, membro da igreja, disse que os promotores da marcha aproveitaram o facto de março ser o mês da mulher para sensibilizar a sociedade angolana para este problema.
Nádia Monteiro recordou que já existe uma queixa-crime sobre os atos que denunciaram, salientando que « as mulheres dentro da igreja têm sofrido muitos maus tratos, são oprimidas, muitas delas por causa da opressão chegam até a fazer o aborto, sendo que é obrigatório a vasectomia » para os pastores.
« Na igreja é obrigatório para os homens, anulando assim o sonho da mulher de ser mãe », disse.
O procedimento cirúrgico « não é um problema, porque é um método anticoncetivo, mas o casal, a pessoa em causa, tem que fazer de livre e espontânea vontade ». Mas, a « igreja não aceita, a igreja impõe que seja feita ».
Segundo Nádia Monteiro, porque um grupo de pastores e membros da igreja se opuseram à estas práticas estão a sofrer represálias, nomeadamente despejos das habitações, retirada da ajuda de custo, entre outras.
« A igreja despejou vários pastores da casa, os pastores estão sem casa, os filhos deixaram de estudar, porque a igreja deixou de apoiar », frisou, lamentando que a liderança brasileira desde o início deste diferendo nunca veio a público rebater as acusações, limitando a emitir comunicados.
Por sua vez, Odete Carla considerou que « não é justo o que os brasileiros estão a fazer ao angolano ». De acordo com Odete Carla, da catedral do Morro Bento, o número de pastores que foram sujeitos a vasectomia é elevado, na ordem das três centenas.
Apesar disso, Odete Carla promete continuar a ser fiel na igreja, exigindo somente que existam reformas naquela confissão evangélica.
« O que está a acontecer no país não é justo, não aceitamos isso, nós queremos a liderança brasileira fora, queremos a liderança angolana, porque na IURD é um negócio que existe, envelope atrás de envelopes. Chega de começar a explorar o povo angolano, chega de muita gatunice dentro da igreja », afirmou.
Já Jorge Francisco, que é membro da IURD desde que foi legalizada em Angola, contou que há relatos comprovados de que mulheres de pastores são impedidas de ter gravidez saudável e, em alguns casos, a gestação tem sido interrompida, por pressão psicológica.
Instado a comentar o motivo que leva os pastores a aceitarem submeter-se ao procedimento de vasectomia, Jorge Francisco explicou que existe uma doutrina e todo um preparo antes de se tornar pastor, que leva a esta situação.
« Antes de pastor começa por ser um candidato a obreiro, depois torna-se obreiro e quando torna-se pastor, não passa ainda pela vasectomia, só quando se tornar num pastor consagrado, em que a pressão e a responsabilidade são maiores, e todo aquele percurso já foi feito, mormente o trabalho psicológico, obviamente que ali há quase uma imposição, uma obrigação moral de ele aceitar a vasectomia », indicou.
Jorge Francisco disse que o objetivo não é criar uma nova universal, mas « banir-se todas as práticas nocivas que têm tido lugar na IURD em Angola ».
« Desde o primeiro momento o objetivo foi que se parasse e se fizesse uma reforma na igreja sem criar uma universal renovada, reformar-se as práticas nocivas na igreja, mormente a vasectomia, a evasão de divisas, que é o caso mais grave, e também outro caso grave que é a venda do património da igreja », disse.
As divergências vêm desde novembro do ano passado, quando um grupo de bispos e pastores da IURD anunciaram o rompimento total com a liderança brasileira, guiada por Edir Macedo.
Num comunicado, subscrito por mais de 300 bispos e pastores angolanos, foram denunciadas as práticas obrigatórias de esterilização masculina, de evasão de divisas para o exterior do país e venda do património da igreja.
Face às denúncias, a Procuradoria-Geral da República de Angola abriu um processo-crime que se encontra ainda em fase de investigação.
No Brasil, existem 150 ações contra a prática de vasectomia por parte da IURD.
A instituição tem sempre recusado estar a impor essa prática aos seus pastores.