Garimpeiros arriscam a vida para sustentar famílias em Moçambique

Nelito Luís, 15 anos, nasceu em Fenda, uma aldeia do centro de Moçambique coberta de ouro e pobreza, a terra para onde a mãe se mudou para praticar o garimpo, quando ficou grávida do rapaz.

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Despenteado, agora é ele o pequeno garimpeiro: guia-nos descalço por um caminho estreito e escorregadio, pelo meio da pouca vegetação que resta no que outrora foram hortas, agora esventradas pelo garimpo artesanal e onde tudo é da cor da argila, tanto a terra como os homens que a remexem.

Nelito mostra os túneis e trilhos por onde se começou a aventurar, ainda como brincadeira, desde os 05 anos de idade, num ofício que rapidamente se tornou sério.

“O meu tio convidou-me. Disse ‘vamos trabalhar’. Então eu ia para ajudar e ganhar dinheiro”, conta à Lusa a criança que, como outros garimpeiros adultos, arrisca a vida por um El Dorado moçambicano em que mal se conhece o valor do minério.

“Há muito tempo ficava com medo” de entrar para os túneis, porque não conseguia respirar sem auxílio de plásticos, sacos que enchia antes de entrar.

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Já viu vários acidentes mortais, o mais recente há poucos dias, mas diz que cultivou coragem e continua no ofício, mesmo quando as águas do rio Revue, ali ao lado, têm mais força – como agora acontece, em plena estação das chuvas.

Bélito Paulino, 29 anos, é outro garimpeiro de Fenda e como quase todos diz que “esta é a forma de sustentar a família”. 

“Não tenho mais nada para fazer, nem machamba [horta]”, por isso sujeita-se a testemunhar “muitos sofrimentos”, acidentes de que perdeu a conta, esperando que nunca nenhum o atinja.

Segue uma regra simples: “Nunca escavar num sítio que já tem covas. Abrir noutro sítio, ali não”, especialmente durante a época das chuvas.

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Avançando 25 quilómetros a norte de Fenda, o cenário repete-se em Mharidza, aqui com escavações mais fundas e mais gente no subsolo, em busca de pequenos grãos dourados.

Nesta zona, os túneis chegam a ter 60 metros de comprimento e são uma ameaça para a segurança de uma concessão mineira legalizada vizinha, atribuída a uma empresa, ao lado da qual os buracos ilegais não param de crescer.

As firmas do setor têm apontado o garimpo como um dos riscos para as suas infraestruturas, mas para os homens da cor da argila são as empresas que estão a invadir a terra da sua “arte”, diz Trama Daniel, garimpeiro há sete anos. 

Em janeiro, o desabamento de escavações ilegais para extração de rubis matou duas pessoas no norte de Moçambique, na área de concessão da Montepuez Ruby Mining (MRM), em Cabo Delgado.

 

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A mineradora tem alertado para os perigos do garimpo descontrolado e refere que fez pelo menos 25 vítimas mortais em 2020 na sua área de concessão, na maioria homens jovens de outros países ou de aldeias distantes.

O Estado moçambicano tem procurado colocar ordem no setor através de cooperativas e algumas iniciativas mostram que o cenário pode ser diferente.

Oito quilómetros a norte de Fenda, em Munhena, os garimpeiros associaram-se há 21 anos e hoje são quase 200 a operar numa área de 200 hectares.

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“Estamos organizados, pagamos impostos, nunca ninguém nos vai perseguir”, disse à Lusa, Noé Bernardo, o secretário da associação.

“Como agora estamos a trabalhar em grupos de 10 pessoas, por semana estamos a fazer 20 a 25 gramas [por grupo], mas quando estávamos bem organizados, com a maquinaria, tirávamos 800 gramas por semana”, destalha.

A maquinaria pertencia a um sócio sul-africano, entre 2006 e 2012, mas que se retirou, queixando-se das taxas que tinha de pagar, explicou.

Não é comum ver mulheres no garimpo, mas ali estão algumas, de marreta na mão, a partir pedra onde encontram ouro.

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Constância Caruru, 28 anos, largou o comércio de refrigerantes e legumes para se estrear no novo labor e pouco importa se é mais duro: é o seu único ‘ganha-pão’.

O preço mundial do ouro subiu até 2011, depois recuou, mantendo-se com altos e baixos até encetar nova subida a partir de 2019 e atingir máximos durante a pandemia de covid-19, em 2020, superando os 2.000 dólares por onça (cada onça equivale a 31 gramas) – cerca de 10 vezes mais do que valia no início do século.

Junto dos garimpeiros, o valor mede-se de outra forma: antes de enviarem dinheiro para as famílias, trocam as pequenas partículas por farinha, peixe seco salgado ou “boss”, uma bebida espirituosa de baixo custo.

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Cinco copos de farinha estão a ‘um ponto’, que corresponde a 300 meticais, sendo que dez pontos equivalem a um grama de ouro, medido em pequenas balanças eletrónicas a pilhas no mercado de Mharidza.

A par de uma intensa atividade de garimpo, que envolve crianças, o distrito de Manica, fértil em recursos minerais – há ouro e pedras preciosas raras como turmalina rosa e verde -, enfrenta uma forte atividade de extração de ouro e bauxite por empresas nacionais e estrangeiras.

Na cidade de Manica há um mercado do ouro legal, do conhecimento das autoridades, mas há garimpeiros que preferem fugir ao radar dos fiscais, vendem-no a estrangeiros que por eles esperam em apartamentos alugados onde o negócio é feito quase que em surdina.

Seja de que maneira for, no fim do dia, só lhes sobra uma parte do que a muito custo conseguem arrancar da terra esventrada – quando o conseguem – porque o objetivo é “apoiar a família”, a expressão que serve de denominador comum a todos os relatos de garimpeiros.

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