Moçambique: Igreja Católica acusa Governo de estar mais preocupado em proteger o gás

A Comissão Episcopal de Justiça e Paz, entidade da Igreja Católica em Moçambique, acusou o Governo de estar mais preocupado em proteger os projetos de gás natural em Cabo Delgado em detrimento das populações

“A maior concentração na defesa do negócio de gás e petróleo em detrimento da defesa de vida de milhares de moçambicanos induz-nos a acreditar que a primazia do Estado é defender os lucros e bem-estar para um pequeno punhado de gente já abastada”, referiu a comissão, numa declaração assinada pelo seu presidente e bispo de Nacala, Alberto Vera Arejula.

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A primeira luta seria pôr fim ao conflito armado, investir na área social e infraestruturas, bem como definir estratégias para uma exploração eficaz e segura dos recursos, defendeu a entidade.

“Sem vida numa região e sem recursos humanos locais é impossível e absurdo catapultar o desenvolvimento”, lê-se no texto, numa referência à necessidade de proteção das comunidades da província de Cabo Delgado, norte do país.

“Não há dúvida de que o país conta com muitas riquezas e matérias-primas, que podem ajudar a desenvolver economicamente o país e, por aí, desenvolver humanamente. Porém, o país não está preparado para gerir a exploração sustentável e humana destas riquezas”, enfatizou o texto.

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A Comissão Episcopal de Justiça e Paz apontou “interesses que se apoderaram da nação e dos seus recursos” como responsáveis pela violência armada na província de Cabo Delgado.

Para a Igreja Católica moçambicana, há uma ligação lógica entre uma juventude alienada e as diferentes formas de insurgência em Cabo Delgado, incluindo a criminalidade, terrorismo, extremismo político e religioso.

“Como podem ter os jovens perspetivas, se o próprio país parece não ter rumo, um projeto comum, no qual são convidados a serem colaboradores ativos e que alimente a sua esperança?”, questionou a declaração, recuperando uma indagação já levantada pela Conferência Episcopal de Moçambique (CEM), em abril.

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Na altura, a CEM considerou que a marginalização da juventude favorece o aliciamento pelos grupos armados que atuam em Cabo Delgado: “É fácil aliciar pessoas, cheias de vida e sonhos, mas sem perspetivas e que se sentem injustiçadas, vítimas de uma cultura de corrupção, a aderirem à proposta de uma nova ordem social imposta com a violência”, afirmou o bispo de Chimoio e porta-voz da CEM, João Carlos, em 16 de abril, após uma reunião dos bispos católicos em Maputo.

Agora, a Comissão Episcopal de Justiça e Paz frisou que o Estado moçambicano não tem condições para enfrentar a guerra com as forças militares de que dispõe, alertando que “a vitória militar não seria uma resposta à complexidade da situação de Cabo Delgado”.

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No continente africano, prosseguiu, são poucos os casos de sucesso da via militar, com envolvimento estrangeiro, no combate ao extremismo, se não forem atacadas as dimensões social e económica por detrás da insatisfação das comunidades.

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A comissão observou que as vítimas de violência em Cabo Delgado se sentem abandonadas pelo Governo e vivem um drama humanitário que exige uma mobilização geral.

“Não faz mais sentido parar e não fazer nada, pois estamos implicados todos. Precisamos de explorar e perceber os contornos da crise humanitária que hoje assistimos em Cabo Delgado e salvarmos o que ainda for possível salvar”, exortou.

A Igreja Católica, continuou a declaração, precisa de acolher e cuidar da vida dos deslocados que perderam tudo devido à destruição provocada pela violência armada.

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“Os impactos da guerra de Cabo Delgado refletem-se bastante na dignidade, qualidade de vida e ambiente de esperança em viver no local que cada moçambicano gostaria e perspetivar o futuro de si próprio e dos descendentes”, notou a comissão.

Grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes segundo o projeto de registo de conflitos ACLED e 714.000 deslocados de acordo com o Governo moçambicano.

Um ataque a Palma, junto ao projeto de gás em construção, em 24 de março, provocou dezenas de mortos e feridos, sem balanço oficial anunciado.

As autoridades moçambicanas anunciaram controlar a vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar o recinto do empreendimento que tinha início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.

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