Sociedade: A intimidade e sexualidade na prisão, uma questão subvalorizada

O dia-a-dia na prisão provoca mudanças profundas nos reclusos ao originar uma alteração radical no seu estilo de vida e no funcionamento básico da mesma. Mas quando este período negro, na vida de qualquer pessoa, não é vivido sozinho mas com a visitas regulares da família os benefícios são claros, tanto para o recluso, como no futuro, para a própria sociedade.  

Foi isto que ficou demonstrado no “The Resettlement Surveys Reoffending Analysis” onde, durante um ano e através da realização de inquéritos, se acompanharam quase 5 mil ex-reclusos, de forma a analisar os factores ligados à reincidência” criminal: chegou-se à conclusão que os presidiários que recebem visitas de familiares têm uma menor probabilidade de, quando se encontram em liberdade, voltarem a cometer um crime e uma maior probabilidade de arranjarem um trabalho ou retomar os estudos.

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Mas dentro das visitas familiares, e falando especificamente das visitas conjugais, há um tema  pouco abordado e, infelizmente, ainda incompreendido, mas com um impacto significativo para o sucesso do processo de reintegração dos reclusos na sociedade: o da sexualidade e intimidade na prisão. 

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Imagine o seguinte cenário: durante 10 anos, as suas relações íntimas e sexuais com o seu namorado ficam limitadas a 3 horas por mês e sempre no mesmo dia. Espere! Não se vá embora, garanto-lhe que este exercício vai fazer sentido. Como acha que lidaria com a situação? Que impacto é que esta limitação teria no seu comportamento e saúde psicológica a curto, médio e longo prazo? 

Bem, felizmente que este é para si apenas um exercício de imaginação. Mas para os reclusos dos 49 estabelecimentos prisionais que existem no nosso país esta é a realidade que enfrentam todos os meses, isto se tiverem a sorte de serem colocados nas cerca de 21 (menos de metade) prisões equipadas com quartos para visitas conjugais. 

Estes números podem até parecer surpreendentes para quem desconhece o sistema prisional português mas segundo os dados disponibilizados pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o número de “visitas íntimas” tem vindo a aumentar: em 2019 foi de 7.165, mais 9,6% quando comparado com os números de 2018. 

E é muito importante que estes números assim continuem. Afinal são vários os benefícios de se promover o aumento das visitas conjugais e do contacto físico sem vigilância na prisão, de forma a criar as condições necessárias para que os reclusos possam manter  um relacionamento sexual ativo. Entre os principais benefícios, alguns autores destacam: 

  • Maior apoio emocional e social por parte do parceiro, através da intimidade que é construída no relacionamento sexual
  • Maior satisfação geral entre parceiros, trazendo alegria e satisfação emocional e aumentando os sentimentos de amor e carinho
  • Os papéis de marido e mulher continuam a ser desempenhados o que, consequentemente, contribui para uma certa estabilidade familiar
  • Menor sensação de isolamento por parte do recluso
  • Redução dos comportamentos violentos (sejam estes de cariz sexual ou não)

Em última análise, o exercício de uma vida íntima e sexual ativa é importante para qualquer ser humano (e os reclusos não são exceção). Ao contrário do que muitas vezes fazemos, colocando o sexo num departamento à parte da nossa vida, este tem impacto na saúde em geral e qualidade de vida e bem-estar. 

Infelizmente, o tema da intimidade e sexualidade em contexto prisional sempre foi um tema tabu e praticamente inexistente no panorama mediático português. Talvez por isso, maioritariamente incompreendido, sendo erradamente associado à violência sexual nas prisões, como se a existência de uma fosse a causa da outra. 

Torna-se assim necessário, face ao impacto positivo, não só durante o período de vida nas prisões mas, também, numa futura e normativa reintegração na sociedade, criarem-se as condições para que esta tendência de aumento das visitas íntimas nas prisões portuguesas se mantenha. 

Mesmo que ainda não o saiba, a sociedade agradece. 

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