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Internacional/África – Quénia sob escrutínio: Autoridade independente denuncia uso excessivo da força pela polícia durante protestos mortais

Relatório aponta 65 mortes, centenas de feridos e falhas graves nos padrões constitucionais de atuação policial, enquanto o Presidente Ruto justifica repressão com “defesa da propriedade”.

A polícia queniana foi formalmente acusada de recorrer ao uso de força desproporcionada durante os recentes protestos que abalaram o país e resultaram na morte de pelo menos 65 pessoas.


A denúncia foi feita pela Autoridade Independente de Supervisão Policial (Ipoa), num relatório divulgado esta quinta-feira, que liga diretamente a maioria das mortes às ações das forças de segurança.

A Ipoa salientou ainda a presença de indivíduos identificados como “infiltrados oportunistas” – apelidados de “vândalos” – que contribuíram para desvirtuar o caráter pacífico das manifestações.
Nos últimos seis semanas, quatro dias distintos de protestos ocorreram em várias partes do país, motivados por acusações de brutalidade policial e indignação com as políticas governamentais.

O primeiro protesto aconteceu a 12 de junho, em Nairobi, e foi considerado “maioritariamente pacífico”, segundo o relatório. A mobilização surgiu na sequência da morte em custódia do jovem professor e blogger Albert Ojwang, inicialmente atribuída a ferimentos autoinfligidos pela polícia. Três agentes já foram acusados formalmente pelo seu assassinato.

O segundo protesto, a 17 de junho, terminou tragicamente com o assassinato a sangue-frio do vendedor ambulante Boniface Kariuki, baleado à queima-roupa. Um agente foi indiciado pelo homicídio.

Já a 23 de junho, data que marcou um ano desde os violentos protestos contra o aumento de impostos – posteriormente revertidos –, registaram-se 23 mortes em diferentes regiões do país.

O quarto dia, a 7 de julho, foi o mais letal, com 41 mortes confirmadas, elevando o total para 65 vítimas. A Ipoa documentou ainda 342 civis feridos, 171 agentes da polícia lesionados e vários episódios de pilhagem e vandalismo dirigidos a empresas, esquadras e edifícios estatais.

Segundo a Ipoa, os seus observadores presenciaram “graves violações dos padrões constitucionais de atuação policial”, incluindo uso excessivo da força, falta de profissionalismo e desrespeito pela segurança pública e pelos direitos fundamentais.

Confrontado com o relatório, o porta-voz da polícia recusou comentar, remetendo para um comunicado anterior do Ministério do Interior, datado de 15 de julho, onde os protestos são atribuídos a “criminosos, saqueadores e anarquistas”.

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O Presidente William Ruto, reagindo aos acontecimentos do dia 7 de julho, ordenou que a polícia atirasse nas pernas dos manifestantes que atacassem negócios, de forma a incapacitá-los sem os matar.

“Qualquer um apanhado a queimar negócios ou propriedades alheias deve ser alvejado na perna, hospitalizado e depois levado a tribunal. Não os matem, mas certifiquem-se de que não caminham mais”, declarou o chefe de Estado.

Por sua vez, o ministro do Interior, Kipchumba Murkomen, negou qualquer uso excessivo da força e classificou os protestos como “terrorismo disfarçado de dissidência”, além de uma tentativa “inconstitucional” de derrubar o governo.

Diversas organizações de direitos humanos têm condenado veementemente a resposta do governo, acusando as autoridades de permitirem e, por vezes, incentivarem o uso de força letal contra manifestantes.