Brasil: Mesmo que perca na segunda volta, Bolsonaro “já ganhou”.

Jair Bolsonaro terá feito melhor do que resistir. Previa-se que perderia contra o ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva [2003-2010], que se previa mesmo ganhar na primeira volta das eleições presidenciais brasileiras de 2 de Outubro, mas o actual chefe de Estado acabou por obter 43,2% dos votos expressos, contra 48,4% para o seu adversário.

Esta é uma margem muito menor do que a prevista pela última sondagem de opinião Datafolha, publicada no sábado à noite: o instituto creditou a Lula 50% das intenções de voto “válidas” – o que exclui votos em branco e inválidos – contra 36% para Jair Bolsonaro. Os dois homens enfrentar-se-ão na segunda ronda a 30 de Outubro.

“Derrotámos as mentiras”, disse o líder da extrema-direita, que tinha rebentado as urnas durante toda a sua campanha. Entretanto, o seu campo conseguiu ganhar o Congresso, e mesmo que Lula ganhe o segundo turno, “o bolonarismo já ganhou” as eleições, observa o colunista Marcelo Godoy no Estado de São Paulo. Se ganhar a 30 de Outubro, o antigo sindicalista “terá de coabitar com um Congresso ainda mais bolonista do que o eleito em 2018, quando o líder da extrema-direita se tornou presidente” pela primeira vez, o que minará “os seus planos para uma grande aliança com o centro”.

A formação política de Jair Bolsonaro – o Partido Liberal (PL), ao qual o chefe de estado aderiu no final de 2021 – ganhou 23 novos lugares na Câmara dos Deputados, atingindo um total de 99 deputados federais na primeira volta de 513 lugares, relata a Folha de São Paulo. Esta é a primeira vez em 24 anos que um partido consegue que tantos deputados sejam eleitos, disse o diário da megalópole brasileira.

Aliados no Congresso e entre os governadores

O partido presidencial será também o melhor representado no Senado, com 14 lugares em 81, ou 15 dependendo dos resultados da segunda volta. Antigos membros do governo Bolsonaro registaram notadamente “vitórias significativas” na Câmara Alta, nota a Folha noutro artigo. O General Hamilton Mourão (actual vice-presidente brasileiro), o pastor evangélico Damares Alves (antigo ministro dos direitos humanos), e o antigo ministro da justiça Sergio Moro, “que tinha quebrado” com o presidente da extrema-direita “antes de se aproximar do bolonarismo durante a sua campanha eleitoral”, foram todos eleitos para o Senado.

Na Câmara Baixa, Ricardo Salles, o controverso ex-ministro do ambiente, foi também eleito. Finalmente, entre os 15 governadores de estado eleitos na primeira volta, sete são aliados do líder da extrema-direita, enquanto quatro são abertamente apoiados por Lula, observa O Globo.

Lula forçado a reorientar a sua campanha

Para Vera Magalhães, editorialista do diário do Rio de Janeiro, esta primeira ronda “envia várias mensagens a Lula”. “A primeira é que a oposição a Bolsonaro não era muito mais forte do que a oposição a Lula. Isto é algo que a [sondagem] institui, mas também nós, a imprensa, não nos apercebemos”, admite ela. “A segunda é que já não será possível para Lula simplesmente prometer repetir o que alcançou durante os seus dois mandatos como presidente, sem ser claro o que pretende fazer pela economia e com quem pretende governar”.

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Escrevendo no diário carioca, a sua colega Míriam Leitão concorda: “A segunda volta será difícil, mas Lula tem uma vantagem de seis milhões de votos e uma boa hipótese de atrair o eleitorado” da candidata de centro-direita Simone Tebet (4,2%) e do candidato trabalhista Ciro Gomes (3%). Para tal, o líder de esquerda terá de “recentrar a sua campanha” e “continuar a construir uma ampla frente” contra Jair Bolsonaro.

O facto é que no Brasil, como em outras democracias, “a direita radical criou raízes” e “já não está apenas ligada a personalidades fortes”, observa Estado de São Paulo num outro artigo.

O diário considera que o resultado da primeira ronda mostra que “precisamos de reconsiderar seriamente o que é o bolonarismo”. E assim faz uma comparação com os Estados Unidos, onde, apesar da derrota de Donald Trump por Joe Biden em 2020, “Trumpism” “tomou o Partido Republicano como refém”, “invadiu” instituições e “contaminou” a percepção de muitas questões sociais por parte do eleitorado conservador.

“Uma arena política inflamável”

“O resultado da primeira ronda torna o Brasil largamente ingovernável”, observou Mathias Alencastro, colunista da Folha, que espera “um diálogo quase impossível entre um possível governo Lula e uma grande parte do Congresso”.

“A partir de agora, o Brasil deve preparar-se para uma arena política inflamável, instável e imprevisível, como a francesa [Assembleia Nacional] após a reeleição de Emmanuel Macron ou a norte-americana [Congresso] após a turbulenta eleição de Joe Biden”.

Paradoxalmente, os sucessos alcançados pelo campo de Bolsonaro a 2 de Outubro “quase eliminam o risco imediato de uma ruptura autoritária” com a democracia, diz o editorialista:

“As vitórias dos principais líderes ideológicos da direita bolonarista garantem um espaço político privilegiado para Bolsonaro e os seus aliados. Neste contexto, a tentação de se aventurar fora do jogo institucional é muito menor”.
Contudo, Alencastro não exclui uma vitória para o titular na segunda volta. Um cenário que, segundo ele, poderia levar a “um confisco definitivo das instituições por actores pouco apegados à democracia”.

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