Economia: Moeda comum dos Brics, o fim do rei dólar?

A desdolarização está a ganhar ritmo, mas a moeda mais importante do mundo não deve ser substituída por outra. Entrevista com a economista Camille Macaire.

A 15ª cimeira dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) início na terça-feira, 22 de agosto, em Joanesburgo. A criação de uma moeda comum será um dos temas abordados pelos países emergentes. Mais um golpe para o rei dólar? Nos últimos meses, os sinais de vontade de desdolarização parecem ter-se tornado mais fortes: a Argentina anunciou que vai reembolsar uma parte da sua dívida em yuan, o Brasil quer utilizar mais o yuan nas suas transacções com a China, etc.

Para Camille Macaire, investigadora associada do CEPII e coautora do livro “La Course à la suprématie monétaire mondiale (Odile Jacob)”, estamos a caminhar para uma multipolarização da ordem monetária internacional.

Estamos a assistir a uma aceleração da desdolarização?

Camille Macaire: Em todo o caso, assistimos a uma combinação de factores que reaviva o debate sobre o risco de fragmentação do sistema monetário internacional. Por um lado, a China quer apresentar-se como o líder dos Brics, pondo em cima da mesa os riscos associados à dependência do dólar, uma atitude que está a ter uma resposta favorável no mundo emergente. A utilização do dólar como arma económica, através de sanções, foi um estímulo. Por outro lado, o peso do dólar nas reservas cambiais começou a enfraquecer gradualmente desde meados da década de 2010, embora continue a ser maioritário (59% do total).

Estaremos então a caminhar para o fim do dólar como rei?

Esta combinação de factores recorda-nos que não existe imutabilidade no sistema monetário internacional: no passado, por exemplo, houve uma transição entre a libra esterlina e o dólar! No entanto, a diminuição da quota-parte do dólar nas reservas cambiais não foi favorável a uma única moeda, mas a várias (yuan, iene, euro, dólar canadiano, libra esterlina, etc.). Nesta fase, parece refletir uma estratégia de diversificação das reservas, mais do que a emergência de uma nova moeda importante. Além disso, o dólar continua a ser a moeda maioritária nos mercados cambiais e nas emissões de dívida. Além disso, é a supremacia do dólar que está a ser posta em causa, e a vulnerabilidade geopolítica que provoca. Não a sua utilidade. Há, portanto, uma vontade de enfraquecer esta forte dependência, mas não de nos libertarmos totalmente do dólar.

Porque é que não há-de prevalecer outra moeda?

A única verdadeira moeda de reserva não ocidental é o yuan. Mas esta moeda tem muitas desvantagens, principalmente porque os controlos de capitais dificultam o seu acesso. Atualmente, representa apenas 2,6% das reservas mundiais. Mesmo o Banco da Rússia, que tentou promover o yuan, indicou recentemente num relatório que era complicado mantê-lo como reserva. Além disso, um elemento-chave de uma moeda de reserva é a solidez financeira do país que a emite. Como estamos a ver neste momento com os choques imobiliários, existem grandes riscos financeiros e vulnerabilidades macroeconómicas na China. Por último, o modelo económico de Pequim baseia-se no controlo, nomeadamente da sua moeda. Mas se o consegue fazer, é paradoxalmente porque dispõe de imensas reservas de divisas em dólares… Portanto, há uma espécie de complementaridade entre as duas moedas.

Poderá uma moeda dos Brics funcionar?

O problema é que este grupo é muito heterogéneo e não tem um projeto político comum. Há mesmo fortes divergências no seio do bloco: entre a China e a Índia, por exemplo. A nível mundial, já existe uma moeda supranacional, o Direito de Saque Especial (DSE) emitido pelo FMI, cujo papel, ainda fraco, ilustra as dificuldades de se chegar a um acordo internacional sobre as características e a gestão de tal instrumento. O mesmo aconteceria, sem dúvida, com os Brics, embora num grupo mais restrito.

A ideia de que uma moeda criptográfica poderia suplantar o dólar existia há alguns anos… Um fracasso?

Para os criptoativos emitidos por instituições privadas, talvez, mas as moedas digitais dos bancos centrais, que utilizam a tecnologia blockchain, poderiam contribuir para uma transformação das infraestruturas financeiras internacionais em detrimento do dólar. Dentro de alguns anos, podemos imaginar plataformas de transacções monetárias organizadas por bancos centrais que não utilizariam o dólar como moeda intermediária, como acontece atualmente no mercado cambial.

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