Se pedissem a um adepto do Barcelona para desenhar o cenário em que gostaria de selar o título, talvez andasse muito perto do que se passou neste domingo, na Catalunha, no 27.º título do “Barça”.
Não há melhor jogo para o Barcelona selar um título do que na Catalunha, frente ao grande rival Espanyol. E se esse jogo não só tiver goleada como afundar o “inimigo” na luta pela permanência, então está feito o prazer supremo de quem quer festejar pelo seu sucesso, mas também pela desgraça alheia.
Os catalães são os campeões das dívidas e com o projecto de renovação do Camp Nou têm na mão uma dívida de mais de mil milhões de euros e com juros anuais de quase 100 milhões. O plano é que as novas instalações tragam receita? Sim. O plano é que um clube mais moderno atraia investidores? Possivelmente. O plano é que a reestruturação financeira de Joan Laporta afaste o clube do abismo em que estava ainda há poucos meses? É certo que sim.
Mas o Barcelona continua a ser um clube endividado e é também por isso que há quem desconfie, por exemplo, da possibilidade de Lionel Messi regressar neste Verão.
O « Barça » é um clube mergulhado em problemas jurídicos e financeiros e que suscita permanentemente a questão de como é possível uma instituição tão agoniada conseguir contratar jogadores de alto nível e pagar-lhes salários principescos.
Mas de que estamos a falar? O Barcelona é campeão – e isso, para boa parte dos adeptos, é suficiente para serem felizes.
Xavi, o catalão
O Barcelona chega ao 27.º título em Espanha com o sucesso de alguém que se confunde com o clube. Xavi, o treinador, é Xavi, o catalão. Xavi, o culé. Xavi, o ícone do Camp Nou. A crença no sucesso de Xavi era proporcional à desilusão que seria ter uma figura destas a não funcionar como treinador do seu Barcelona. E ele não falhou, mas podia ter falhado.
A 19 de Março, quando chegou el clásico, o Barcelona praticamente selou o campeonato e mostrou algo que Xavi tem feito questão de implementar: maturidade e defesa.
É certo que esteve perto de correr mal, sobretudo se tivesse perdido esse jogo, mas é certo também que há muitos anos que não se via um Barcelona a misturar o seu futebol clássico com um perfil consciente quando assim foi exigido.
E se o insucesso europeu enevoa a temporada do « Barça », então o título espanhol, até pelos momentos de maturidade, indicam que algo está a ser feito no caminho da qualidade europeia que se tem perdido – e importa dizer que o Barcelona, mesmo com campeonato e Supertaça no bolso, perdeu a Taça do Rei e caiu na Champions perante o Benfica e caiu depois cedo na Liga Europa aos pés do Manchester United.
Mais defesa
Mas também importa dizer que Xavi dotou a equipa de uma consistência defensiva que se tem sobreposto muitas vezes à ofensiva. E parecendo essa uma premissa bizarra para se dizer de uma equipa campeã, é praticamente unânime que não se esperava esses predicados de uma defesa com Koundé, Christensen, Araújo e Baldé.
“Quem?”, perguntariam muitos no início da temporada. E com razão. Uns por serem pouco renomados e outros por já terem mostrado fragilidades no passado, faziam desta defesa um motivo de alarme que Xavi tratou de silenciar.
O Barcelona é de longe – muito longe – a melhor defesa do campeonato e tem tratado de assumir, em muitos jogos, um perfil defensivo assim que se apanha a ganhar. Defensivo pela posse, é certo, mas ainda assim assente numa solidez atrás que até permitiu à equipa, quando a isso foi obrigada, defender em alguns momentos em defesa baixa – mesmo que raros.
O labor de Lewandowski
Individualmente, esta temporada teve, sobretudo, o impacto de Robert Lewandowski. O avançado começou a época muito melhor do que a acabou, mas 21 golos no campeonato, o melhor marcador por esta altura, é um registo de alto nível.
Foi tudo o que se esperava? Talvez não. Mas a equipa nem sempre criou condições para isso. Ao contrário da matriz clássica, o Barcelona, mesmo continuando a monopolizar a bola para si, teve uma quantidade interessante de golos em transições e bolas longas.
Outro detalhe interessante é a prevalência de ataques pela zona central. Com apenas um ala puro – e mesmo esse, Raphinha, jogando de “pé trocado” –, a equipa atacou muito pela faixa central do terreno, algo que também poderá ter limitado a capacidade de servir melhor Lewandowski – fosse por cruzamentos, fosse pela capacidade de arrastar os defesas adversários pela atracção à largura.
Ainda assim, o Barcelona produziu o suficiente para ter mais golos do que aqueles que marcou – foram menos golos marcados do que os esperados.
O futuro é sem Sergio
E agora? Agora, é sem Sergio Busquets. O médio que toma conta da equipa desde 2008 vai deixar o clube e Xavi vai ter de inventar qualquer coisa.
O futuro mais pacífico de um Barcelona sem Busquets é um cenário para o qual este título contribui. Sem campeonato, o Barcelona estaria a precisar de algo que legitimasse a posição de Xavi e que ajudasse numa volta de 180 graus depois de dois falhanços – para não falar da despedida cinzenta do jogador.
Com campeonato conquistado, a sucessão vai ser feita com base numa conquista, sem necessidade de revoluções e com Busquets a sair por cima.
É certo que Busquets é dos melhores médios da história do futebol e, por isso, é fácil entender que não aparecerá outro assim que o Barcelona precisar – e precisa agora. Mas se há momento para substituir Busquets, este é dos bons. Frenkie de Jong está pronto e o Barça acalmou os adeptos com um título de campeão.