Desde o início dos anos 2000, o México enfrenta um dos maiores dramas humanitários das Américas: mais de 130.000 pessoas desaparecidas, vítimas da violência dos cartéis ligados ao narcotráfico, com impunidade quase total das autoridades.
Para ajudar a localizar valas clandestinas, cientistas do instituto federal CentroGeo, em colaboração com universidades do México e da Oxford (Reino Unido), desenvolveram um projeto experimental que faz uso de porcos como proxies humanos. Os animais são vestidos, enterrados e monitorizados, para simular a decomposição humana e testar técnicas avançadas de detecção.
O protocolo inclui: vestirem os porcos com roupas, lacrá-los ou enrolá-los em cobertores, enterrá-los isolados ou em grupo. Alguns são cobertos com cal, outros incinerados ou colocados em sacos plásticos. Depois, os pesquisadores observam a degradação.
Nas valas de Jalisco, estado com mais de 15.500 desaparecidos, flores surgem devido ao fósforo no solo e passam a ser pistas visuais para os investigadores. Insetos, bactérias, plantas e composição química do solo são analisados e comparados com restos humanos, ajudando a identificar terrenos suspeitos.
O projeto utiliza ainda drones hiperespectrais, scanners laser, radares e sensores térmicos, que detectam variações no solo fruto da decomposição. Um dos locais está encapsulado por acrílico transparente, permitindo observação contínua.
Ciência e sociedade em simbiose
Para o coordenador José Luis Silván, “a ciência só vale se resolver problemas reais”. Inspirado por estudos em fazendas de corpos nos EUA e técnicas usadas em regiões como os Balcãs, Colômbia e Ucrânia, o projeto prioriza a aplicação imediata das descobertas, não apenas a teoria.
Especialistas como o antropólogo Derek Congram destacam a inovação do método:
“Nenhum outro país testa com tanta criatividade e força as novas tecnologias como o México.”
No entanto, Congram alerta: “90% das buscas ainda dependem de testemunhas confiáveis e escavações tradicionais.”
O papel das famílias
As famílias informais de desaparecidos são parte ativa da investigação. Nas visitas às sepulturas experimentais, muitas identificam os locais apenas observando o solo e as plantas. A experiência ancestral destas comunidades torna-as “peritas por intuição”.
Maribel Cedeño, procurando o irmão há quatro anos, acredita na promessa das tecnologias:
“Nunca imaginei tornar-me especialista em encontrar corpos.”
Mas Héctor Flores, em busca do filho desde 2021, questiona o investimento em métodos ainda sem resultados mensuráveis, sobretudo diante da escassez de apoio oficial.
Um futuro promissor mas incerto
Apesar da falta de conclusões definitivas, a Comissão de Busca de Jalisco já está a usar drones térmicos, câmaras multispectrais e scanners em casos reais. Não é claro se outros estados mexicanos terão recursos ou disposição para adotar tais métodos.
Segundo Congram, é preciso coragem: “Falhar faz parte do processo. Só assim se chega ao sucesso.”