A crise política na Tailândia aprofundou-se esta sexta-feira, quando o Tribunal Constitucional destituiu a primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra, apenas um ano após o início do seu mandato. Os juízes consideraram que ela violou padrões éticos e prejudicou o interesse nacional durante uma chamada telefónica com o ex-líder do Camboja, Hun Sen.
O que aconteceu
Numa decisão dividida, por 6 votos a 3, o tribunal concluiu que a conduta de Paetongtarn durante a chamada de 15 de junho com Hun Sen — hoje presidente do Senado cambojano — infringiu as normas constitucionais de ética.
Na ligação, Paetongtarn tratou Hun Sen como “tio”, lembrando a antiga amizade do político com o seu pai, o ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra, e terá criticado um comandante do exército tailandês responsável pelas forças fronteiriças. O áudio foi divulgado pelo próprio Hun Sen, desencadeando forte indignação em Banguecoque.
A queixa apresentada por um grupo de senadores acusava-a de carecer de “honestidade e integridade demonstráveis” e de ter colocado laços pessoais acima do interesse nacional.
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Comprar um espaço para minha empresa.Apesar disso, o tribunal reconheceu que Paetongtarn procurava evitar conflitos graves que poderiam afetar a soberania e a segurança fronteiriça da Tailândia. A maioria, porém, entendeu que as suas palavras configuraram uma violação ética.
A primeira-ministra pediu desculpa, alegando que a sua abordagem fazia parte de uma estratégia de negociação. Semanas mais tarde, confrontos entre tropas tailandesas e cambojanas na fronteira resultaram em dezenas de mortos e mais de 260 mil deslocados.
Como chegámos até aqui
Desde a década de 1930, a Tailândia já viveu mais de uma dúzia de golpes militares. Nas últimas duas décadas, os tribunais tornaram-se atores centrais, afastando cinco primeiros-ministros e dissolvendo três partidos vencedores de eleições, muitas vezes por fundamentos técnicos.
Paetongtarn assumiu o cargo em 2024, à frente de uma coalizão frágil, limitada pela Constituição de 2017, desenhada sob influência militar, que reforça o poder de senadores não eleitos e de tribunais com grande margem de intervenção política.
A família Shinawatra é há anos alvo de confrontos com o establishment monárquico e militar: Thaksin foi deposto em 2006, a sua irmã Yingluck removida em 2014, e outros aliados também afastados por via judicial.
O telefonema a Hun Sen revelou-se um erro político grave, rapidamente explorado pelos adversários. Paetongtarn foi suspensa a 1 de julho, quando o Tribunal aceitou analisar a queixa dos senadores. O vice-primeiro-ministro Phumtham Wechayachai assumiu temporariamente as funções. Pouco depois, o partido Bhumjaithai, maior parceiro de coligação do Pheu Thai, retirou-se do governo.
O que acontece agora
Phumtham e o atual Conselho de Ministros permanecem em funções de gestão até que o Parlamento escolha um novo chefe de governo. A eleição deve recair sobre nomes pré-aprovados antes das últimas legislativas.
O Pheu Thai já utilizou duas das suas três indicações: Srettha Thavisin, afastado pelo tribunal em 2024, e agora Paetongtarn. Resta apenas Chaikasem Nitisiri, de 77 anos, veterano do partido. O principal rival é Anutin Charnvirakul, do Bhumjaithai.
Segundo analistas, o Pheu Thai pode acreditar que permanecer no poder facilitará as próximas eleições, mas o enfraquecimento da coligação limita a capacidade de implementar medidas populares.
“O domínio dos Shinawatra na política tailandesa pode estar em xeque”, avalia Kevin Hewison, professor emérito da Universidade da Carolina do Norte. “Mas nunca se deve subestimar a habilidade política de Thaksin.”