Moçambique/Arte: A melhor fotografia de Mário Macilau

Os homens que vagueiam por esta lixeira desempenham um papel importante na economia, mas são marginalizados. Avisaram-me que eram “incivilizados”, que iriam roubar a minha máquina fotográfica, atacar-me e até matar-me.

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Há um aterro sanitário gigante perto de Maputo, a capital de Moçambique, que cobre 42 hectares e atinge 15 metros de altura. Os jovens percorrem-no na esperança de encontrar coisas valiosas ou que possam ser recicladas. Estas pessoas desempenham um papel importante na economia local, mas são marginalizadas pela sociedade moçambicana. Quando comecei a pensar em fotografar os vagabundos das pontas, as pessoas avisaram-me que seria perigoso: eles são “incivilizados”, diziam, roubariam a minha câmara, atacar-me-iam, ou mesmo matar-me-iam.

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No início de qualquer projeto, faço muita pesquisa. Preciso de compreender um local e as suas gentes, estabelecer contactos que me possam apresentar a novas comunidades e criar confiança com quem estou a fotografar. Não trabalho como um fotojornalista: Não estou preso a prazos rigorosos. Gosto de passar tempo com as pessoas que fotografo. Comemos juntos, jogamos jogos, habituamo-nos uns aos outros, para que, quando chegar a altura de fotografar, estejam à vontade.

Trabalhar na lixeira foi um desafio. Era outro mundo e eu estava muito fora da minha zona de conforto. Mas encarei-o como um privilégio. Estamos a relacionar-nos com pessoas que a sociedade julgou e excluiu. Eu era uma testemunha em primeira mão das suas vidas. A série começou em 2015 e foi-se formando ao longo de vários anos. Exibi-a, mas não senti que o projeto estivesse totalmente concluído, por isso voltei um ou dois anos mais tarde para ver como as coisas tinham mudado. A passagem do tempo fascina-me.


« Eu era o mais velho e o único homem da nossa família. Desde os oito anos de idade, saía para procurar comida e ganhar dinheiro onde podia »

— Mário Macilau-Fotógrafo

Gosto de utilizar a fotografia para chamar a atenção das pessoas para coisas que lhes escapam, sejam elas questões ambientais, condições de trabalho ou violações dos direitos humanos. A minha própria educação nem sempre foi fácil, mas ajudou-me a relacionar-me com pessoas de diferentes origens. Cresci em Moçambique com a minha mãe e duas irmãs. Era o mais velho e o único homem da família, pelo que se esperava que contribuísse desde tenra idade e, a partir dos oito anos, saía à procura de comida e ganhava dinheiro onde podia.

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A minha mãe não foi à escola e não sabia ler. Não sabia falar português, que se tornou a língua oficial de Moçambique, por isso eu tinha de a ajudar a comunicar. Quando ela recebeu o seu primeiro telemóvel, não o sabia usar. Deu-mo para que eu pudesse manter o contacto com as pessoas em seu nome. Um dia, conheci um homem com uma máquina fotográfica. Ele sabia que eu me interessava por fotografia e perguntou-me se eu queria comprá-la. Decidi fazer uma troca: o telemóvel pela máquina e ainda um pouco de dinheiro. Quando cheguei a casa, menti e disse à minha mãe que alguém tinha roubado o telemóvel.

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As minhas primeiras fotografias eram a preto e branco, mas quando comecei a trabalhar para clientes comerciais – normalmente revistas e ONG – comecei a fotografar a cores. No entanto, o preto e branco cria uma ligação mais forte e regressei ao monocromático. Torna uma imagem intemporal, quase como uma memória.

Não vejo o meu trabalho como fotografia documental. Vejo-o como uma ferramenta de intervenção social. Revela coisas diferentes sobre a vida, o nosso ambiente, o trabalho e a vida quotidiana.

Mário Macilau: On Faith está patente na Ed Cross Gallery, Londres, de 14 de junho a 5 de agosto.

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