Tech: África, rumo à digitalização

Na reconstrução pós-Covid-19, os formuladores de políticas devem investir convictamente em tecnologias inovadoras para acelerar o crescimento e superar os obstáculos ao desenvolvimento inclusivo.

África desfrutou de forte crescimento econômico nos primeiros vinte anos do século XXI, devido sobretudo à robustez da demanda global de produtos primários. Mas a narrativa nos media internacionais de “uma África em ascensão” que acompanhou este crescimento é sobretudo uma história do aumento do PIB, o que é uma perspectiva excessivamente unidimensional. 

De facto, o crescimento económico da África falhou em gerar empregos suficientes e bons, adiando, mais uma vez, os benefícios do dividendo demográfico advenientes de uma vasta população em idade laboral.  Este dividendo demográfico é, pois, potencialmente um mecanismo de geração de recursos que podem e devem ser investidos na promoção do desenvolvimento inclusivo.

Em vez disso, a formulação de políticas africanas continuou na sua crença de quase meio século, que alcançar o “desenvolvimento” limita-se em gerir a pobreza, por outras palavras, igualou a promoção do desenvolvimento à redução da pobreza. As independências Africanas trouxeram consigo uma agenda para a industrialização do continente. O abandono desta agenda para uma focalizada na redução da pobreza constitui, até hoje, uma das razões do mal-estar econômico do continente. 

O “Africa Innovation Summit” (2018) descreveu este fenômeno de forma clara e objectiva. Tratou-se de um processo de (re)conceptualização do desenvolvimento que paulatinamente se afastou do imperativo da transformação socioeconômica para silenciosamente adoptar o menor denominador comum, a gestão da pobreza.

Para gerar  crescimento econômico que conduza ao desenvolvimento sustentável, a África deve mudar o seu foco e para isso impõe-se reter e criar mais riqueza, gerir melhor os seus recursos, promover inclusão, diversificar as suas economias, galgar as cadeias de valor globais, , otimizando o portfolio energético , e colocando o capital humano no centro de formulação de políticas. 

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Para que isto aconteça, as políticas africanas devem promover investimento em pesquisa aplicada, desenvolvimento e inovação para transformar estruturalmente os tecidos económicos e colocar o continente numa posição que o permita acompanhar tecnologicamente o resto do mundo visando diminuir o fosso digital. A inovação e a tecnologia de informação digital tornaram-se, pois, em componentes necessárias do espectro de políticas públicas desde da segurança alimentar, à educação, saúde, energia e competitividade.

O mundo é guiado pela inovação, e a menos que os governos africanos reconheçam e se apropriem dos benefícios potenciais da pesquisa, desenvolvimento e inovação, o fosso global continuará a crescer. O problema é que se fala e debate-se sobre a inovação, mas não se incorpora este elemento nos exercícios nacionais de planeamento e orçamentação.A pandemia destacou a urgência de acelerar a transformação digital OIT/M.TeweldeA pandemia destacou a urgência de acelerar a transformação digital

Uma oportunidade de se tornar digital

É aqui, que paradoxalmente, a pandemia da Covid-19, apesar da profunda crise   socioeconómica que causou, gerou oportunidades para os países africanos inovarem e digitalizarem-se reconstruindo suas economias sob um paradigma diferente. Não devem apenas repará-las, devem refazê-las, com a digitalização, abrindo o caminho.

Até agora, as sociedades civis têm reagido mais proativamente ao potencial das tecnologias digitais do que os governos.   Apesar do fraco apoio das políticas públicas, a indústria da tecnologia digital cresceu em África, através de incubadoras e ‘start ups’ centros tecnológicos e de dados.

As tecnologias de informação e comunicação, TIC, estão se propagando pelo continente com a juventude Africana a jogar um papel decisivo no apresentar de soluções aos desafios trazidos pela Covid-19. Por exemplo, no Quénia, Fablab criou Msafari, um aplicativo de rastreamento de pessoas infectadas. Um aplicativo idêntico, Wiqaytna6, foi desenvolvido em Marrocos. 

Em Ruanda, o governo tem demonstrado o quão a combinação de uma visão com vontade política pode ser transformativo. O país investiu fortemente na infraestrutura digital, 90 por cento do país tem acesso à internet de banda larga e 75 por cento da população têm celulares. No início da pandemia, Ruanda explorou esta habilidade tecnológica para desenvolver o mapeamento digital, em tempo real, para rastrear a propagação da Covid-19, expandiu a telemedicina para reduzir visitas às clínicas e criou robôs com capacidade para dialogar para atualizar as pessoas sobre a doença.

Estes são esforços promissores, mas a digitalização está longe de ser uma realidade em África. Ruanda é a exceção. Só 28 por cento de africanos usam internet, o que impede o continente de maximizar o potencial da tecnologia digital para mitigar alguns dos piores efeitos da pandemia.

A lenta propagação da tecnologia de internet dificulta também o processo de superação do continente em termos de barreiras ao desenvolvimento sustentável. Para gerar crescimento transformativo, a digitalização não pode ser ‘puxada’ somente  pela sociedade civil e pelo setor privado. O fosso socioeconômico da África alimenta o fosso digital, e vice-versa e o quebrar este círculo vicioso exige a massificação da digitalização com o propósito de se desbloquear a transformação estrutural.Exclusão digital mantém as desigualdades entre países e comunidades.© Unicef/Tanya BindraExclusão digital mantém as desigualdades entre países e comunidades.

Fosso digital

Ao avaliar o fosso digital, é importante lembrar que a questão vai para além do acesso à internet. Tāo ou mais importante é aferir como o uso da internet beneficia o utente. O objetivo da digitalização não deve ser apenas mais consumo de plataformas, equipamentos e aplicações, mas este aumento de consumo tem que se traduzir em mais resiliência da sociedade civil, o que exige um claro quadro regulamentar para que a digitalização vá para além da lógica de mercado e contribua para uma população educada, instruída e participativa.

Em África, não só a conexão à internet está em situação de profundo déficit. Aliam-se a este, outros déficits de acesso a serviços e condições básicas, incluindo eletricidade, educação, inclusão financeira, e instituições. O resultado é que as pessoas não conseguem usar soluções digitais que estejam disponíveis. Além disso, uma boa parte da população africana ainda luta com problemas de risco de vida como conflito e segurança alimentar, o que faz da sobrevivência diária seu único objetivo. Milhões de Africanos não estão apenas do lado errado do fosso digital, estão do lado errado de muitos outros fossos: saúde, educação, electricidade, água potável, e em que o mais recente nesta lista imensa é o fosso das vacinas da Covid 19. 

A Covid-19 não só acentuou os fossos existentes como criou novos porque o confinamento e o distanciamento social tornaram muitos serviços públicos acessíveis apenas online. A dura verdade é que estas centenas de milhões de pessoas foram deixadas para trás e a menos que os governos Africanos percebam que a massificação do acesso à tecnologia digital é um fator crítico para a inclusão socioeconômica, o progresso será confinado aqueles com serviços de eletricidade e telecomunicações, isolando, ainda mais, a vasta maioria, sem tal acesso. O fosso vai aumentar.

As profundas rupturas provocadas pela pandemia constituem acima de tudo  oportunidades, algumas subtis,  para se promover uma forte inclusão social e conjuntamente trabalharmos rumo a sustentabilidade. 

Tempos como os actuais põem à prova a visão e a liderança dos formuladores de políticas. Como notou Mckinsey and Company (2020), “a crise da Covid-19 contém a semente de uma reimaginação, em grande escala, da estrutura econômica da África, dos sistemas de distribuiçāo  de serviços e do contrato social. A crise está a acelerar tendências tais como a digitalização e a consolidação do mercado e cooperação regionais, criando assim importantes e novas oportunidades, por exemplo, a promoção da indústria local, a formalização dos pequenos negócios, e a modernização da infraestrutura urbana”.  

“No processo de reconstrução pós-Covid 19,  África não deve voltar a uma realidade pré-pandémica” 

Ou seja, o momento é agora. No processo de reconstrução pós-Covid 19,  África não deve voltar a uma realidade pré-pandémica. O momento é de abraçar um novo paradigma e construir uma realidade melhor. Para tal,  impõe-se reconhecer que a inovação, particularmente as tecnologias digitais, podem fazer a diferença. A adopção de tecnologias digitais no enfrentar de vários desafios de desenvolvimento, tais como pobreza, saúde, produtividade, competitividade, diversificação econômica, segurança alimentar, mudanças climáticas e governança não constitui mais uma opção de política mas um imperativo de política.Novo coronavírus destacou e exacerbou desigualdades, incluindo a exclusão digital.Banco Mundial/Simone D. McCourtieNovo coronavírus destacou e exacerbou desigualdades, incluindo a exclusão digital.

África receptiva à mudança 

Ao longo dos últimos cinco anos e em várias situações, África demonstrou estar a criar condições para uma mudança transformativa. Este sinal positivo sugere que o continente pode estar a preparar-se para construir melhor, em vez de apenas reconstruir. Liu (2019) identificou três iniciativas africanas que claramente sinalizam esta  maior receptividade à mudança transformativa:

A Zona Continental Africana de Comércio Livre, ZCACL, que visa criar um mercado único com um PIB combinado que excede US$ 3,4 trilhões e inclui mais de 1 bilhão de pessoas.

O novo Centro do Governo Sul-Africano para a Quarta Revolução Industrial do Fórum Econômico Mundial (FEM), para o diálogo e a cooperação sobre desafios e oportunidades apresentados pelas tecnologias avançadas.

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A Plataforma para o Crescimento da África do FEM que visa apoiar as empresas a crescerem  e competirem internacionalmente, alavancando o potencial empresarial da África, este 13 por cento mais elevado na sua fase inicial do que a média global.

Estas iniciativas em curso podem ser um ponto de viragem na medida em que sinalizam um reforço da vontade política no que tange à digitalizacao como fator de desenvolvimento. Sāo medidas de política, portanto um fluxo de ‘cima para baixo’, que até então nāo têm estado suficientemente activas,  e que sāo necessárias para complementar as iniciativas da sociedade civil e do sector privado, acima mencionadas, estas um fluxo de ‘baixo pata cima’.  

Até agora, a mudança foi essencialmente de “baixo para cima”, ou seja essencialmente impulsionada pela sociedade e pelo sector privado. Mais de 600 centros tecnológicos com o objectivo de promover a atividade empresarial local emergiram no continente. Três alcançaram reconhecimento internacional: Lagos na Nigéria, Nairóbi no Quénia e Cidade de Cabo na África do Sul. Estes centros tecnológicos albergam milhares de ‘star ups’, incubadoras, parques tecnológicos, e centros de inovação conduzidos pelo setor privado e jovens que, apesar das adversidades, estão cientes de como o auto emprego é ligado à inovação.ECA recomenda investimento rápido em grande escala na infraestrutura como a da tecnologia digital.Acnur/Catherine WachiayaECA recomenda investimento rápido em grande escala na infraestrutura como a da tecnologia digital.

Um déficit  de políticas públicas

Apesar de um eventual ponto de viragem, a realidade até à data é que as coisas têm sido relativamente menos promissoras de ‘cima para baixo’. Segundo um relatório da FEM 2018, 22 dos 25 países analisados não tinham qualquer política pública focada na criação de ecossistemas para a inovação.

Investir em uma ampla e sistémica digitalização, de ponto de vista setorial e geográfico, é crucial não apenas para resolver problemas socioeconómicos, mas também para lidar com os desafios da paz e segurança. Um estudo da União Internacional de Telecomunicações concluiu que um acréscimo de 10 por cento na penetração da banda larga móvel gera uma subida de 2,5 por cento no PIB per capita da África.

Mas soluções digitais não devem ser implementadas numa situação de vazio institucional. Daí a importância de se criarem ecossistemas de inovação aonde a promoção das tecnologias digitais é um dos elementos. E nāo há tempo a perder. Quadros normativos e estruturas regulatórias bem calibrados, investimento em infraestruturas, habilidades digitais e inclusão financeira estão entre as prioridades.

A maioria da literatura existente é unânime em considerar que tecnologias digitais são essenciais para enfrentar os desafios socioeconômicos. As tecnologias digitais são frequentemente apresentadas como um  ingrediente importante para alcançar o desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável, tendo em conta a natureza amplificadora do fosso digital. Do ponto de vista económico, melhor tecnologia de informação e comunicação democratiza a informação crucial para os agentes de produção e mercado, o que torna as cadeias de valor mais eficientes e os produtos e serviços mais acessíveis, beneficiando os mais vulneráveis.  Contudo, no processo de adopção massiva das tecnologias digitais  devemos estar cientes do complexo impacto legal e ético das tecnologias na sociedade, nomeadamente em termos de privacidade,  gestão de dados, e evasão fiscal. Isto é especialmente válido em África, aonde a fragilidade das instituições nāo se compadece com a necessidade de defender os direitos e interesses das suas populações contra aqueles do mercado.    

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