Todos contra a Superliga

“Bomba atómica”, “terramoto”, “III Guerra Mundial”, “golpe de estado no futebol europeu” ou “guerra dos riscos aos pobres” são alguns dos termos usados para descrever a Superliga Europeia, prova idealizada por 15 dos maiores e mais ricos clubes europeus (três ainda desconhecidos) à revelia da UEFA e da FIFA, que prometem sanções. A ideia gerou uma enorme revolta na comunidade futebolística, na classe política e levou a manifestações de adeptos em Anfield, Stamford Bridge e Old Trafford, por exemplo.

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A polémica saiu da esfera desportiva, com a política europeia a unir-se na reprovação da nova competição e do que ela representa. Emmanuel Macron (França), Boris Jonhson (Inglaterra), Mario Draghi (Itália), Viktor Orbán (Hungria), António Costa e a Comissão Europeia foram algumas das vozes discordantes. O líder inglês referiu que a competição iria “apunhalar o coração do futebol nacional” e o presidente francês fez questão de saudar os clubes gauleses que não aceitaram participar “num projeto que ameaça o princípio da solidariedade e mérito desportivos”.

“A bomba atómica” que dará “origem à III Guerra Mundial, desta vez no futebol”, como lhe chamou Boniek, presidente da federação polaca, rebentou no domingo à noite, na véspera da UEFA anunciar o novo formato da Liga dos Campeões (em 2024 terá 36 equipas, sem fase de grupos) e as verbas envolvidas, depois de 12 clubes – AC Milan, Arsenal, Atlético de Madrid, Chelsea, Barcelona, Inter Milão, Juventus, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Real Madrid e Tottenham – formalizarem a intenção da criação de uma nova prova.

A Superliga esteve a marinar algum tempo, antes de avançar a toda a força. Mas será que sai do papel? A ameaça de sanções (até para jogadores que participem) por parte da UEFA e da FIFA e a troca de acusações e de ameaças em tribunal de parte a parte deixam a dúvida. Além disso, as regras da União Europeia não permitem competições fechadas sem subidas e descidas ao estilo norte-americano como a NBA e MLS ou NFL, e por isso a Superliga parece condenada à nascença.

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Se para uns a coisa já está em marcha e não há volta a dar, para outros, como Emanuel Medeiros, não passa de estratégia para pressionar a UEFA a abrir os cordões à bolsa. Seja como for, a jogada do grupo de desertores é arriscada e há mesmo uma ala radical no organismo europeu que defende o afastamento imediato dos três semifinalistas da Champions nessa lista – Real, Chesea e Manchester City -, o que ainda poderia levar a uma repescagem do FC Porto e mais duas equipas.

O clube portista foi abordado para integrar a nova prova, mas Pinto da Costa nem quis avançar com o assunto porque não podia “estar a participar numa coisa que é contra a União Europeia e as regras da UEFA”. Já o Sporting, o Benfica e o Sp. Braga também se manifestaram contra, assim como o PSG e o Bayern de Munique, que recusaram participar.

“As cobras” no seio da UEFA, segundo Ceferin

Para Aleksander Ceferin, o presidente da UEFA, a Superliga é movida pela “ganância” e vai “contra tudo aquilo que o futebol deve ser”, defendendo que o organismo jamais vai abdicar da integralidade e do mérito desportivo. “Estou furioso porque estes clubes querem roubar o futebol, falam de solidariedade e só querem saber dos próprios bolsos. Por um lado estou furioso, por outro ainda bem que aconteceu. Deixou claro quem é quem“, confessou o esloveno, garantindo que os desertores, a quem apelidou de “cobras” no seio da UEFA, “não estão banidos para sempre”, mas serão alvo de sanções a conhecer em breve.

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Já os jogadores dos clubes que alinhem no projeto vão ser “proibidos” de participar em competições internacionais, como o Campeonato do Mundo e o Campeonato da Europa, e também não poderão representar as suas seleções. Imagine-se Portugal sem Cristiano Ronaldo, Bernardo Silva, Rúben Dias ou João Félix…

Apesar do silêncio das grandes figuras dos relvados – alguns manifestaram-se timidamente, como Bruno Fernandes, que meteu um gosto nos comentários arrasadores de Gary Neville -, esta segunda-feira foi de autêntico pânico entre os jogadores dos clubes desertores. Segundo empresários ouvidos pelo DN, os atletas mostraram desconforto com a ideia e preocupação com o futuro. A Associação Internacional de Futebolistas Profissionais mostrou-se apreensiva. E lamentou que os jogadores fossem “ignorados” nas negociações e que agora sejam ameaçados de exclusão das seleções dos seus países.

Formato da nova prova financiada pelo banco americano JP Morgan

O formato da nova prova fechada assenta em 20 equipas (15 fundadores e cinco convidados que lutarão para se qualificarem) divididas em dois grupos de dez, com jogos de ida e volta. Os três primeiros de cada grupo classificam-se automaticamente para os quartos de final. As equipas que terminem na quarta e quinta posição disputarão um playoff a duas mãos. Em seguida, serão feitas eliminatórias a duas mãos a partir dos quartos de final até à final, que será um encontro único, no fim de maio, em campo neutro.

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Os jogos serão disputados durante a semana, a partir de agosto, de forma a que os clubes pudessem continuar a competir nos respetivos campeonatos, preservando assim o calendário tradicional – algo que a UEFA e FIFA já avisaram que não autorizam. Aliás, as federações dos três países dos desertores (Inglaterra, Espanha e Itália) manifestaram-se contra o projeto.

Os valores anunciados são sedutores. Os 15 fundadores são os mais beneficiados, uma vez que a prova é fechada e todos têm a qualificação garantida ano após ano, e receberão “3,5 mil milhões de euros para investimento em infraestruturas para compensar o impacto da pandemia”. De acordo com o comunicado da Superliga, a nova competição garante “pagamentos de solidariedade ilimitados, que crescerão de acordo com as receitas” e que “deverão ser superiores a 10 mil milhões de euros durante o período de compromisso inicial”.

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A prova será financiada pelo banco norte-americano JP Morgan em 4,9 mil milhões de euros e já tem uma estrutura diretiva. O norte americano Avram Glazer, dono no United, e Andrea Agnelli, da Juventus – ambos pediram já a demissão da Associação Europeia de Clube – serão vices da prova presidida por Florentino Pérez .”Vamos ajudar o futebol a melhorar a todos os níveis, a ocupar o lugar que merece no Mundo. O futebol é o único desporto no Mundo com mais de 4 mil milhões de seguidores e a nossa responsabilidade como clubes grandes é responder aos desejos dos adeptos“, defendeu o presidente do Real Madrid.

Mas a reação dos adeptos, bem como de ex-jogadores, não podia ser mais contrária. “Todos os adeptos estão contra a criação deste que parece um clube de golfe, onde só entra quem tem convite e quem paga. Não interessa se jogamos bem ou mal, é uma espécie de partidas entre amigos. E isto tira todo o sentido que as competições europeias ainda têm”, disse Martha Gens, da Associação Portuguesa de Defesa do Adepto, atirando: “Mais um pouco e há pipocas nas bancadas e Lady Gaga nos intervalos.”

Já Luís Figo criticou a “ganância” de Superliga que “não tem nada de super”. E que a FIFA reprovou e avisou não reconhecer, apesar do grupo dos 12+3 esperar manter um diálogo antes de recorrer a medidas judiciais.

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