Ambiente/Biodiversidade: No Brasil, os povos indígenas ganham o “julgamento do século” para proteger as suas terras do agronegócio

Numa decisão histórica, na quinta-feira, 21 de setembro, o Supremo Tribunal Federal confirmou o direito inalienável dos povos indígenas a ocuparem as suas terras ancestrais. Uma vitória contra os lobbies agro-alimentares e um passo importante para a preservação do ambiente.

Neste “julgamento do século” brasileiro, dois mundos se enfrentaram. De um lado, os povos indígenas da Amazónia; do outro, o poderoso sector agroalimentar. Foram os primeiros que beneficiaram da decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro, proferida na quinta-feira, 21 de setembro. No final de um longo processo que começou em 2021 e foi suspenso várias vezes, a mais alta corte do país confirmou o direito inalienável dos povos indígenas de ocuparem suas terras ancestrais. A questão era tanto mais crucial quanto as reservas atribuídas aos povos indígenas são consideradas pelos cientistas como baluartes contra a desflorestação e desempenham um papel fundamental na luta contra o aquecimento global.

O caso dizia respeito ao território Ibirama-Laklano, no estado de Santa Catarina, no sul do país, mas abrirá um precedente que se aplicará a outras reservas em disputa. O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o principal argumento do setor agroalimentar: o “marco temporal”. Se esse argumento tivesse sido considerado válido, os povos indígenas poderiam ser expulsos de suas terras se não conseguissem provar que as ocupavam oficialmente na época da promulgação da Constituição brasileira, em 1988. No entanto, os indígenas explicam que alguns territórios não eram ocupados por eles naquela data, devido a um processo de expulsão manu militari que se arrastava há séculos.

Segundo a ONG Instituto Socioambiental, quase um terço das mais de 700 reservas indígenas poderia ter sido afetado por esta decisão. Esta decisão é uma “resposta muito importante às ameaças e à criminalização que sofremos nos últimos quatro anos”, disse um encantado Kleber Karipuna, diretor executivo da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), referindo-se ao mandato do ex-presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro de 2019 a 2022. Mas também é um apelo ao atual governo do presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva para “avançar na demarcação das terras indígenas”, acrescentou.

A demarcação das reservas garante aos povos indígenas o direito inalienável de ocupar suas terras ancestrais, bem como o uso exclusivo dos recursos naturais, preservando seu modo de vida tradicional. O processo de certificação de territórios reservados aos povos indígenas, paralisado no governo Bolsonaro, foi retomado pelo presidente Lula. Seis novas reservas foram aprovadas em abril e outras duas no início de setembro.

Os dois únicos juízes favoráveis à proposta apresentada pelo agronegócio foram nomeados por Jair Bolsonaro, que havia prometido não “ceder mais um centímetro” aos povos indígenas.

A questão das indemnizações

Os juízes do Supremo Tribunal Federal ainda não chegaram a um consenso sobre outras questões, em particular sobre a possibilidade de compensação do Estado para os proprietários de terras que serão transformadas em reservas no futuro. Esta solução alternativa ao “quadro temporal” foi rejeitada pelos povos indígenas da Amazónia. Os 1,7 milhões de indígenas do país, que representam 0,83% da população, temem que isso trave a aprovação de novas reservas devido ao alto custo para o governo. Uma vitória crucial numa batalha que parece não ter fim.

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