História/Tecnologia: IA mobilizada para identificar 10 milhões de escravos americanos

Está em curso nos Estados Unidos um projeto interessante que utiliza a inteligência artificial para recolher dados sobre pessoas que foram escravizadas desde o século XVI.

Os 10 milhões de escravos que trabalharam em solo americano terão um dia um nome e uma história. É este o objetivo de 10 Milhões de Nomes, um site lançado oficialmente este verão sob a égide de investigadores e historiadores, que pretende documentar os nomes dos homens, mulheres e crianças que caíram na servidão entre o século XVI e a Guerra Civil Americana (1865), quando a escravatura foi finalmente abolida nos Estados Unidos. Este longo período, durante o qual centenas de milhares de pessoas foram levadas à força de África, através do tráfico transatlântico de escravos, para trabalhar nas terras e plantações americanas, está envolto em obscuridade histórica.

Curiosamente, a iniciativa para esta longa investigação não partiu de um cientista negro ou mestiço, mas de um americano branco de ascendência europeia, o professor de Harvard Richard Cellini. Há oito anos, ele juntou-se a um grupo de trabalho da Universidade de Georgetown que estava a analisar de perto a venda de 272 escravos – metade dos quais crianças – organizada em 1838 para encher os cofres da universidade, como noticiou a National Geographic.

IA para analisar e recolher dados

Cellini ficou fascinado com a história, investigou-a mais a fundo e fundou o Georgetown Memory Project, uma iniciativa de investigação independente que conseguiu identificar três quartos dos escravos vendidos na altura pelos directores da universidade – o mais novo, William, tinha 6 meses; o mais velho, Daniel, tinha 80 anos. Neste processo, conseguiu identificar mais de 10.000 descendentes de escravos e decidiu lançar o projeto de colaboração 10 Milhões de Nomes, a fim de alargar a investigação a toda a história americana.

Os desafios são enormes e o trabalho colossal, mas os historiadores e especialistas em genealogia estão a contar com os últimos avanços da inteligência artificial para analisar e recolher os dados. Anteriormente, um investigador que descobrisse uma pista tinha de transcrever a informação e depois consultar outros documentos para alargar a sua investigação. Atualmente, as novas tecnologias digitais, nomeadamente de reconhecimento ótico, permitem identificar nomes, informações e locais e estabelecer rapidamente ligações com outros dados, poupando tempo precioso.

44 milhões de descendentes

O software poderá analisar todo o tipo de documentos, tais como registos de plantações ou de colégios e universidades que possuíam escravos, recenseamentos, registos militares ou judiciais, estudos universitários, cartas, diários e testemunhos escritos ou orais. As famílias afro-americanas que preservaram memórias pessoais também são convidadas a participar no projeto; os 10 milhões de pessoas que foram escravizadas ao longo de três séculos têm agora 44 milhões de descendentes nos Estados Unidos. São tantas as pistas e informações possíveis que podem ser recolhidas e ordenadas nesta enorme base de dados nacional, acessível ao maior número possível de pessoas.

Apoiado por várias universidades e instituições, incluindo a Afro-American Historical and Genealogical Society e a American Ancestors, o projeto de colaboração ainda está na sua fase inicial, mas há motivos para otimismo. Este é um trabalho que todos podem fazer e que todos devem fazer”, explicou o investigador Richard Cellini na ABC News. Todos os americanos, negros ou brancos, têm peças do puzzle nos seus bolsos, nas suas casas, nos seus sótãos ou nos seus guarda-roupas. Tragam-nas, sejam elas quais forem…”.

E concluiu: “É impossível contar a história da fundação deste país sem contar a história dos nossos irmãos e irmãs negros, e mais particularmente dos nossos antepassados escravos. Eles são os nossos antepassados americanos. Ajudaram a construir este país. Não se trata de nós ou deles. Trata-se de todos nós. Já foram registados várias dezenas de milhares de nomes e os responsáveis esperam ultrapassar a marca do milhão a curto prazo. Mas serão, sem dúvida, necessárias várias décadas para dar a estas pessoas anónimas o lugar que merecem.

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