Na cimeira dos BRICS, a ascensão dos países emergentes

O clube dos cinco principais países emergentes aprovou a entrada de seis novos membros no próximo ano. A guerra na Ucrânia reacendeu o desejo de abalar a ordem económica dominada pelos países ocidentais.

Que nome devemos dar aos BRICS quando realizarem a sua próxima cimeira em Kazan, na Rússia, no verão de 2024? No início dos anos 2000, o acrónimo foi criado por um analista da Goldman Sachs, Jim O’Neill, para designar as grandes potências emergentes com um crescimento económico insolente. Desde 2009, os BRICS organizaram-se num clube informal composto por Brasil, Rússia, Índia e China, a que se juntou a África do Sul em 2012. Reunidos em Joanesburgo até 24 de agosto, os presidentes da China (Xi Jinping), da Índia (Narendra Modi), do Brasil (Luiz Inácio Lula da Silva) e da África do Sul (Cyril Ramaphosa), mas sem Vladimir Putin, representado pelo seu ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov devido à guerra na Ucrânia e às sanções ocidentais, aprovaram a entrada de seis novos membros.

A Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, o Irão, a Etiópia, a Argentina e o Egipto deverão aderir a partir de 1 de janeiro de 2024. No total, cerca de quarenta países tinham manifestado interesse. “Continuamos abertos a novos candidatos”, antecipou o Presidente brasileiro Lula numa conferência de imprensa em Joanesburgo, enquanto a Indonésia, a Argélia e a Nigéria continuam à espera.

Países emergentes divididos quanto ao alargamento

“Este alargamento representa uma combinação política e económica hábil, de modo a não perturbar o equilíbrio no seio do clube entre países democráticos com economias de mercado e países autoritários com economias administradas”, admite Jean-Joseph Boillot, conselheiro do IRIS. Até ao fim, o alargamento foi objeto de um debate aceso. Em Joanesburgo, as negociações arrastaram-se durante dias para acertar os pormenores técnicos entre os cinco principais países emergentes. A Índia, que desconfiava das ambições da sua rival China e não queria entrar num confronto demasiado direto com os países ocidentais, estava relutante em abrir demasiado a porta a novos candidatos, como o Brasil.

Ao incluir a Arábia Saudita e os Emirados, em particular, os BRICS estão a alargar o seu alcance ao Médio Oriente, anteriormente não representado. Estão também a aumentar o seu peso entre os países com maior influência nos mercados de matérias-primas. Este facto deverá reforçar a voz dos países emergentes face às economias do G7, nomeadamente nas próximas reuniões do G20, o local de encontro dos países mais poderosos do mundo. Nos últimos meses, a guerra na Ucrânia e as tensões geopolíticas entre a China e os Estados Unidos “criaram uma nova dinâmica entre os países emergentes e um apetite para reequilibrar a ordem mundial, que ainda é dominada pelas instituições nascidas depois de Bretton Woods”, admite Ruben Nizard, economista da seguradora de crédito Coface. Neste contexto, os chefes de Estado dos BRICS defendem a defesa de um “Sul global”, partilhando os mesmos interesses que o G7, que reúne as antigas potências industriais.

Economias muito heterogéneas

Na prática, “esta promessa de um Sul global continua a ser uma ideia vaga”, critica Ruben Nizard. Apesar de a ascensão económica dos países emergentes ser inegável, “as cimeiras dos BRICS ainda não produziram resultados concretos. Têm tudo a provar”, afirma o economista. Nos últimos quinze anos, o clube informal conseguiu criar o seu próprio banco de desenvolvimento, presidido pela brasileira Dilma Roussef e sediado em Xangai. Cada cimeira dos BRICS é acompanhada por cimeiras empresariais em que participam as principais empresas dos cinco países membros. Animado pelo sucesso da aterragem do módulo indiano na Lua, o Presidente Narendra Modi promoveu a ideia de cooperação no sector espacial.

Com cinco membros, os BRICS já têm o mesmo peso que os países do G7 na economia mundial em termos de paridade de poder de compra – mas ficam muito atrás em termos de valor, com 25% do PIB mundial contra 43% do G7 – e representam quase 40% da população mundial. Mas as suas situações económicas são heterogéneas, o que limita a sua capacidade de encontrar pontos de consenso. “O que têm em comum é a vontade de desocidentalizar o mundo”, resume Jean-Joseph Boillot, “mas são menos homogéneos do que o G7 em termos económicos e políticos”.

À medida que o grupo se alarga, esta divergência não se vai atenuar, com um fosso enorme entre a rica Arábia Saudita e a Etiópia, cujo PIB per capita é 55 vezes inferior. Ao contrário da Rússia e da China, a Índia acelerou a sua aproximação aos países ocidentais, onde Narendra Modi foi recebido em Paris e Washington. O comércio entre os países emergentes continua a ser limitado e desequilibrado a favor da China. “A expansão dos fluxos comerciais está ligada à posição da China no comércio mundial. Mas as interacções directas entre o Brasil, a África do Sul e a Índia são limitadas”, salienta Ruben Nizard.

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Desafiar o dólar mais tarde

Os países emergentes ainda precisam de tempo para alterar as regras económicas do mundo. E, em particular, a hegemonia do dólar, uma das maiores preocupações dos cinco grandes países emergentes. Nas conclusões da cimeira sul-africana, os chefes de Estado confirmaram a sua vontade de estudar a introdução de uma alternativa ao dólar. “Sentimos um apelo global às moedas locais, aos métodos de pagamento alternativos e aos circuitos financeiros”, afirmou o presidente sul-africano.

Mas os detalhes permanecem pouco claros – um relatório deverá ser apresentado na próxima cimeira – devido à falta de consenso. As sanções contra a Rússia aumentaram as preocupações de alguns países emergentes relativamente ao dólar, que os expõe a sanções extraterritoriais por parte do sistema judicial norte-americano. “O desejo de desafiar o domínio do dólar também não é novo”, salienta Carl Grekou, economista do CEPII, “mas é necessário estabelecer um meio de troca aceitável para todos”. Criar uma moeda comum? Poder-se-ia eventualmente basear num cabaz de moedas virtuais das diferentes moedas emergentes.

Mas seria ainda necessário chegar a acordo sobre a sua composição. “Muitos países não aceitarão ficar dependentes da China se o renminbi for demasiado dominante neste cabaz de moedas”, adverte Ruben Nizard, que se mostra cético quanto à possibilidade de uma alternativa credível. A curto prazo, a China não tem necessariamente interesse em fazê-lo, porque isso complicaria a condução da sua política monetária, observa Carl Grekou.

Respostas ocidentais

A nível mundial, o dólar tem ainda um futuro brilhante pela frente. Quase 44% do comércio continua a ser expresso em dólares e 40% das transacções são efectuadas através do sistema SWIFT. A moeda americana representa ainda cerca de 60% das reservas mundiais dos bancos centrais, de acordo com o Banco Internacional de Pagamentos. Mas “a desdolarização começou de forma invisível”, adverte o economista do CEPII. A China tornou-se o maior doador do continente africano. Em particular, está a pressionar para que os contratos petrolíferos sejam assinados em renminbi, uma opção escolhida pela TotalEnergies em março para faturar as entregas de GNL dos Emirados Árabes Unidos.

No entanto, a pressão das economias emergentes para reequilibrar as regras económicas mundiais está a obrigar os países ocidentais a agir. Com a cimeira dos BRICS em pleno andamento, a administração americana anunciou que Joe Biden apoiaria uma reforma do Fundo Monetário Internacional, um velho pomo de discórdia. A União Africana poderia ser incluída no G20 como observador, tal como a União Europeia. Este é o primeiro sinal de que a ascensão dos BRICS não pode ser ignorada.

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