Maputo, Moçambique — 29 de Julho de 2025
O Governo de Moçambique anunciou a intenção de centralizar a coordenação das actividades das Organizações Não-Governamentais (ONGs) através do Ministério da Planificação e Desenvolvimento (MPD). A medida, ainda sem detalhes concretos sobre a sua implementação, está a gerar preocupações entre líderes da sociedade civil, que receiam interferência nas operações e perda de autonomia.
O porta-voz do Governo, Inocêncio Impissa, ministro da Administração Estatal e Função Pública, afirmou na terça-feira, na cidade de Lichinga, que o Executivo pretende ter maior envolvimento na gestão do apoio recebido pelas ONGs, garantindo que os recursos cheguem efectivamente às comunidades locais.
“Parece haver um apetite por parte de algumas ONGs em escolher onde querem operar e executar as suas acções. Do nosso lado, nunca existiu uma unidade coordenadora da distribuição das actividades dos parceiros”, declarou Impissa.
Apesar das intenções anunciadas, o Governo ainda não esclareceu como pretende gerir ou distribuir as actividades das ONGs. Espera-se que um quadro legal venha a definir os termos desta coordenação.
Uma relação marcada pela desconfiança
A proposta surge num contexto político sensível, marcado por desconfiança mútua entre o Estado e a sociedade civil. O Executivo tem historicamente acusado certas ONGs de representarem interesses estrangeiros e de instrumentalizarem a crítica para fins políticos, usando tais alegações como justificativa para impor medidas restritivas.
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Comprar um espaço para minha empresa.Paula Monjane, directora do Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil (CESC), disse ao MOZTIMES que a coordenação não deve transformar-se numa ferramenta de controlo nem restringir a autonomia das organizações.
“O Governo tem, de facto, um papel na coordenação de actividades no seu território, mas isso não deve traduzir-se em ingerência sobre a sociedade civil”, afirmou. “O Executivo está a tentar silenciar vozes críticas e controlar recursos, partindo do princípio de que as ONGs recebem financiamento excessivo”, acrescentou.
As ONGs, por seu lado, têm desempenhado um papel essencial na denúncia de casos de corrupção, na má gestão de recursos públicos e na promoção dos direitos humanos, sobretudo em zonas de conflito e insegurança como Cabo Delgado. Esse contrapeso democrático torna-as actores centrais na paisagem cívica do país.
Falta de capacidade estatal preocupa activistas
Augusta Atija, delegada provincial da Associação Moçambicana de Mulheres de Carreira Jurídica (AMMCJ) em Cabo Delgado, afirmou ao MOZTIMES que o Governo não tem capacidade para gerir eficazmente a ajuda recebida pelas ONGs.
“Existem falhas claras na gestão da ajuda humanitária por parte do Governo. Entre 2022 e 2023, registámos casos de desvio de apoios destinados a famílias reassentadas devido ao terrorismo”, revelou Atija.
Num país onde as ONGs frequentemente colmatam as falhas estruturais do Estado, muitos activistas alertam para o risco de que um controlo excessivo atrapalhe a agilidade na resposta a crises e afaste financiadores internacionais, preocupados com a transparência e independência operacional.
Um histórico de tentativas de regulação apertada
A tentativa de controlo sobre as ONGs não é nova. Em Setembro de 2022, o Conselho de Ministros aprovou uma proposta de lei para regular a criação, estrutura e funcionamento das Organizações Sem Fins Lucrativos (OSFLs), alegando prevenção do branqueamento de capitais e combate ao financiamento do terrorismo.
A proposta gerou inquietação na sociedade civil, sendo interpretada por muitos como um esforço para aumentar o controlo sobre as organizações e silenciar vozes dissidentes.
O projecto de lei foi submetido ao Parlamento e passou por um período de consulta pública entre 6 e 16 de Fevereiro de 2023, mas até hoje não foi divulgada qualquer decisão oficial sobre a sua aprovação ou rejeição.
O papel vital das ONGs na actual conjuntura
Num contexto em que os partidos da oposição enfrentam desafios de consolidação e visibilidade, as ONGs assumem um papel fundamental na construção democrática, especialmente na defesa dos direitos humanos, monitoria da governação e mobilização comunitária.
A centralização de actividades por parte do Governo deve ser debatida num ambiente inclusivo, envolvendo representantes da sociedade civil, com salvaguardas legais claras para garantir a liberdade de acção, a transparência mútua e a protecção do espaço cívico.
Especialistas sugerem que uma eventual coordenação poderia beneficiar de mecanismos independentes de acompanhamento, como observatórios mistos (Estado-ONGs) ou comissões com representação paritária, garantindo assim um equilíbrio entre eficácia e autonomia.