Os seres humanos atingem a puberdade após cerca de uma década. Já os tubarões da Groenlândia (Somniosus microcephalus) precisam esperar mais de cem anos para isso. Uma infância que dura quase um século pode parecer saída de um livro de ficção científica, mas estes tubarões são os vertebrados com maior longevidade do planeta, podendo viver até cerca de quatrocentos anos. Durante séculos, eles nadam nas águas geladas dos oceanos Ártico e Atlântico Norte, crescendo a um ritmo de quase um centímetro por ano. Os maiores exemplares adultos podem ultrapassar o comprimento de um carro sedan e pesar mais de 900 quilos.
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Anuncie aqui: clique já!Normalmente, um animal não consegue viver tanto tempo. Com o passar dos anos, as funções fisiológicas começam a falhar e surgem doenças como o cancro, que afetam a sua sobrevivência. No entanto, o tubarão da Groenlândia parece desafiar este padrão, o que sugere que desenvolveu mecanismos genéticos para evitar as doenças relacionadas com o envelhecimento.
Recentemente, uma equipa de investigadores encontrou novas pistas genéticas sobre a sua longevidade. Embora estas descobertas não nos permitam viver até aos quatrocentos anos, elas abrem caminhos promissores para a ciência entender melhor como podemos manter-nos saudáveis por mais tempo.
COMO CAPTURAR UM ENORME TUBARÃO DA GROENLÂNDIA
Em 2021, Arne Sahm decidiu investigar a longevidade dos tubarões, não apenas para compreender melhor a biologia destes animais, mas também para compará-los com outras espécies de vida longa, como o rato-toupeira-pelado (Heterocephalus glaber).
Os tubarões da Groenlândia podem mergulhar até 2 130 metros de profundidade e atingir dimensões semelhantes às de um carro. Apesar do seu tamanho imponente, há séculos que são capturados por humanos. Os inuítes da Groenlândia, do Canadá e da Islândia caçam estes tubarões há décadas, sobretudo para extrair o óleo do seu fígado.
« É interessante estudar se existem mecanismos evolutivos comuns que prolongam a vida de espécies já naturalmente longevas », explica Arne Sahm, bioinformático do Instituto Leibniz de Investigação sobre o Envelhecimento – Instituto Fritz Lipmann (FLI), na Alemanha.
O primeiro passo foi obter um genoma completo do tubarão da Groenlândia, algo que os cientistas ainda não tinham. Para isso, precisavam de amostras frescas do animal. No entanto, capturar um peixe de quase uma tonelada que vive a mais de dois mil metros de profundidade não é uma tarefa fácil.
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Comprar um espaço para minha empresa.« Usamos uma linha de pesca com dez anzóis », explica John Fleng Steffensen, biólogo marinho da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca, que trabalhou com Sahm no projeto e passou as últimas duas décadas a capturar estes tubarões para pesquisa. « Chamamos-lhes anzóis para tubarão – são enormes ». A isca utilizada são grandes pedaços de carne em decomposição, cujo cheiro forte atrai os tubarões. Uma combinação de cordas e correntes resistentes leva a isca até às profundezas e, depois de algum tempo, a linha é puxada de volta à superfície, muitas vezes trazendo um ou mais tubarões.
Para a pesquisa de Sahm, Steffensen e a sua equipa capturaram tubarões nos fiordes do sul da Groenlândia e enviaram amostras de cérebro para análise. A partir destas amostras, os cientistas extraíram o ADN para compilar e estudar o genoma destes animais. Os resultados foram publicados num servidor de pré-impressão em setembro.
PISTAS GENÉTICAS SOBRE A LONGEVIDADE DOS TUBARÕES
Se o genoma fosse um manual de instruções, o ADN seriam as palavras e os genes os parágrafos. Pela primeira vez, a equipa conseguiu reconstituir completamente o genoma cromossómico dos tubarões da Groenlândia. Descobriram que este manual é quase duas vezes maior do que o do ser humano, contendo 22 634 genes e cerca de 6,45 mil milhões de pares de bases – os « degraus » da escada em dupla hélice que forma o ADN.
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insira aqui seu anúncio !Depois de montar o genoma, os investigadores começaram a procurar pistas sobre a longevidade extraordinária dos tubarões. Um dos aspetos mais notáveis foi a grande quantidade de « genes saltadores », ou transposões. Estes são segmentos de ADN que podem mover-se dentro do genoma, criando diversidade genética, mas também podendo causar problemas se interferirem em outras sequências.
Nos tubarões da Groenlândia, esses transposões parecem desempenhar um papel positivo. Muitas das duplicações identificadas estavam associadas a genes responsáveis pela reparação do ADN. Em vez de criar mutações prejudiciais, essas cópias podem ter gerado genes extra úteis, capazes de retardar o envelhecimento. O ADN danificado pode causar problemas celulares, incluindo o desenvolvimento de cancro. A hipótese da equipa de pesquisa é que quanto mais eficiente for a preservação do ADN, maior será a longevidade do organismo.
Outro gene de interesse foi o TP53, conhecido como « o guardião do genoma » devido ao seu papel fundamental na prevenção do cancro. Presente em muitos animais, incluindo humanos, ele codifica a proteína p53, que atua na reparação do ADN e na supressão de tumores. O TP53 dos tubarões da Groenlândia possui uma modificação única que pode alterar a forma como a proteína p53 funciona, potencialmente aumentando a sua eficácia na reparação do ADN e contribuindo para a longevidade da espécie. No entanto, são necessárias mais investigações laboratoriais para confirmar essa hipótese.
UM CONHECIMENTO QUE PODE BENEFICIAR A SAÚDE HUMANA
Compreender a longevidade do tubarão da Groenlândia pode ajudar os cientistas a estudar outros animais e, eventualmente, beneficiar a saúde humana. No entanto, isso não significa que os humanos poderão viver durante séculos.
Os tubarões estão muito distantes da nossa espécie na árvore evolutiva, tornando impossível estabelecer comparações diretas, explica Sahm. Em vez de um « elixir da juventude », o genoma do tubarão junta-se a outros dados sobre animais longevos, permitindo aos cientistas comparar diferentes espécies e aprender mais sobre o envelhecimento.
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Anuncie aqui: clique já!« O objetivo não é fazer com que as pessoas vivam mais tempo, mas sim mantê-las saudáveis por mais tempo », afirma Paul Robbins, biólogo molecular da Universidade de Minnesota, que não esteve envolvido no estudo. A pesquisa sobre longevidade concentra-se na melhoria da qualidade de vida, prolongando o período de boa saúde.
A longevidade requer um equilíbrio entre tempo de vida e resistência ao cancro. Como há sobreposições entre os nossos genes e os dos tubarões, o TP53 pode ser uma peça-chave. O genoma dos tubarões pode ajudar a identificar alvos para o desenvolvimento de novos tratamentos, como medicamentos ou terapias genéticas.
Outros animais também são estudados por sua longevidade, e os cientistas podem comparar os tubarões da Groenlândia com espécies de vida curta, como ratos, para identificar diferenças. Comparações com outras espécies marinhas longevas, como a baleia-da-Groenlândia (Balaena mysticetus), podem revelar semelhanças genéticas valiosas.
O novo genoma dos tubarões da Groenlândia é « uma ferramenta extraordinária para a ciência », afirma Andrea Bodnar, bióloga celular do Gloucester Marine Genomics Institute, nos Estados Unidos. « Estas espécies longevas encontraram diferentes soluções para envelhecer de forma saudável e resistir ao cancro. »
Novos estudos serão necessários para compreender melhor as proteínas envolvidas e a forma como os genes dos tubarões influenciam a sua longevidade. Para Bodnar, a descoberta do genoma é apenas o início: « É um recurso essencial para investigações futuras, mas ainda há muito para explorar ».