Médio Oriente/Testemunho de Ariel Bernstein, antigo soldado das IDF: “Entrar em Gaza foi uma das coisas mais assustadoras que alguma vez vivi”

Tel Aviv, le 22 octobre 2023. Ariel Bernstein, un soldat vétéran israélien et activiste de l’organisation de vétéran « Breaking the Silence ».

Em 2014, enquanto cumpria o serviço militar, Ariel Bernstein, de 29 anos, foi enviado para o enclave palestiniano com a sua unidade. Agora, ativista da paz, teme as consequências de uma inevitável ofensiva terrestre.

“Fiz o serviço militar numa unidade de reconhecimento de elite da Brigada Nahal, entre 2012 e 2015. Estávamos destacados na Cisjordânia, mas quando a ofensiva [de 2014] foi declarada, foi-nos dada uma nova missão: entrar em Beit Hanoun [no nordeste da Faixa de Gaza]. Tínhamos de proteger a área enquanto um grupo de sapadores estava ocupado a destruir os túneis do Hamas. Não tivemos outra hipótese senão ir a pé.

“Antes da ofensiva, muitos generais e políticos vieram visitar-nos para levantar o moral das tropas. Eu já tinha começado a perder a minha motivação como soldado, a questionar o que estávamos a fazer na Cisjordânia. Mas só pensava nos meus companheiros, estava a ir por eles, pelos rapazes da minha unidade. E Gaza era mais fácil do ponto de vista moral – afinal, é uma guerra, uma guerra a sério, com adversários a sério.

“Ir para a Faixa de Gaza foi uma das coisas mais stressantes e assustadoras que alguma vez vivi. Tudo o que se sabe sobre o outro lado é o que se vê na televisão. Temos a sensação de que alguém está a tentar atrair-nos para uma armadilha, um ambiente urbano muito denso, onde a vantagem de um exército grande e poderoso se torna nula.

“Isso não afectou a minha determinação. O que importava era manter-me vivo e proteger os meus camaradas. Os rapazes da minha unidade são como irmãos. Treinamos juntos durante dezasseis meses, passamos por experiências muito intensas. Duas semanas depois, disseram-nos que havia um cessar-fogo. Esse foi o único momento de luz que tive naquelas duas semanas de escuridão. Deixaram-nos sair com uma hora de antecedência; quando saímos, vimos a força aérea reduzir o bairro a escombros.

“Há coisas de que não se pode voltar. Morrer. Tirar uma vida. A partir de 7 de outubro, a primeira coisa que disse a mim próprio foi ‘espero que não haja uma ofensiva terrestre’. Estou isento das reservas porque sofro de stress pós-traumático, mas os meus companheiros vão lá estar. Agora só me resta esperar para ouvir os seus nomes na rádio. A experiência deles vai ser diferente da minha, a nível físico, emocional e psicológico. Estávamos apenas a um quilómetro de Gaza. Se o objetivo é erradicar o Hamas, teremos de ir muito mais longe. Não vejo como é que isso pode ser feito sem o envio de um grande número de tropas, com um risco dez vezes maior de baixas para ambos os lados.

“Depois do que aconteceu, toda a gente em Israel quer fazer alguma coisa. Conheço pessoalmente quatro pessoas que estão a ser feitas reféns; dois veteranos que testemunharam comigo na Breaking the Silence [uma ONG israelita constituída por soldados e veteranos das IDF] foram mortos. Mas eu tomei uma decisão consciente de não participar no esforço de guerra. Criei um grupo de veteranos como eu. Reunimo-nos duas vezes, com um psicólogo.

“Persuadimos os israelitas de que podiam viver com esta “situação”, que era o melhor que podíamos esperar. Mas Gaza é uma bomba-relógio, densa e muito pobre. Fico doido, porque acho que o massacre podia ter sido evitado: as pessoas podem ter morrido em vão. E, no final, não são os membros do Governo que vão pagar o preço. Apelar a um cessar-fogo é visto como ingénuo, quase traiçoeiro. Mas, mais do que nunca, este conflito deve ser resolvido através do diálogo, entre nós e com os palestinianos”.

“Ficámos em Beit Hanoun durante quinze dias; só saímos uma vez, durante algumas horas. Todas as noites, dormíamos num apartamento diferente, consoante a missão que tínhamos de cumprir. Vemos vestígios de humanidade – livros escolares, fotografias de família – mas não a vemos como uma zona residencial. É a linha da frente, uma zona de guerra. Um ambiente complexo, em que se sente que o Hamas está em todo o lado, a toda a hora. Nunca os vemos – até nos fazerem uma emboscada.

“Antes de entrarmos, disseram-nos que os habitantes tinham sido avisados, que tinham sido mandados embora, que a cidade estava vazia. Por conseguinte, qualquer pessoa que ainda se encontrasse na zona poderia ser considerada membro do Hamas ou, pelo menos, colaboradora e, em todo o caso, um alvo potencial. Mas não é assim tão simples. Vi o corpo de uma mulher idosa, com uma bala pesada no meio da cara. Deve ter sido apanhada no fogo cruzado. A unidade vizinha encontrou uma família inteira, dez pessoas, claramente não terroristas.

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