Saude: A pesquisa de quatro décadas por uma vacina contra O VIH alcançou uma nova esperança

Quando o virologista José Esparza começou a trabalhar com a Organização Mundial de Saúde para combater a epidemia de SIDA na década de 1980, ele e muitos dos seus colegas estavam convencidos de que uma vacina seria a solução – e que surgiria rapidamente.

O seu otimismo tinha por base uma ciência sólida: os investigadores sabiam que as pessoas produzem anticorpos contra o vírus da imunodeficiência humana,  o vírus que provoca a SIDA. E estimular o corpo para produzir anticorpos já era uma estratégia comum usada nas vacinas que reduzia drasticamente os casos de sarampo, varíola e muitas outras doenças. Combater a SIDA parecia ser igualmente exequível.

“Pensámos que ia ser tranquilo”, diz José Esparza, antigo consultor da Fundação Bill & Melinda Gates, que agora está afiliado à Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland. “Não conhecíamos a complexidade do VIH.” Mais de três décadas depois, ainda não existe uma vacina candidata viável para o VIH, mesmo que os cientistas tenham produzido várias vacinas eficazes para o vírus SARS-CoV-2, que provoca a COVID-19, menos de um ano após o seu aparecimento.

Agora, as descobertas recentes estão a gerar uma nova esperança. Numa conferência internacional sobre SIDA realizada em fevereiro, investigadores da Scripps Research e IAVI, uma organização sem fins lucrativos de investigação de vacinas, anunciaram resultados promissores de exames sanguíneos do ensaio humano de fase um para uma nova estratégia de vacina contra o VIH. Os resultados, que ainda não foram publicados, chamaram a atenção do público de uma forma que só seria possível na era das redes sociais. “ISTO É ENORME”, dizia um tweet do utilizador do Twitter @AugustusRotter. O tweet foi recebeu milhares de likes e partilhas no início de abril.

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A realidade é muito mais subtil do que estes exageros sugerem, diz William Schief, imunologista da Scripps Research e diretor executivo do departamento de desenvolvimento de vacinas do Centro de Anticorpos Neutralizantes da IAVI. Embora a resposta imunitária que a sua equipa detetou seja uma importante prova de conceito, o campo ainda está a anos de distância de produzir vacinas que tornem as pessoas menos propensas a serem infetadas por VIH. Ainda assim, uma eventual vacina provavelmente irá incluir várias doses, o que poderá ser um argumento difícil de vender.

“Cientificamente, é um belo conceito”, diz José Esparza. “Na prática, não será fácil de implementar.”

Contudo, após décadas de contratempos, estes resultados são uma boa notícia – e têm algumas ligações intrigantes com o esforço feito no desenvolvimento de vacinas COVID-19, esforço que pode ajudar a acelerar o trabalho com o VIH.

“É uma espécie de pequeno passo para fazer uma vacina contra o VIH, mas também é um passo gigantesco”, sugerindo um caminho viável para seguir, diz William. “De facto, neste caso específico, tem funcionado incrivelmente bem.”

Três vagas de esperança

A procura por uma vacina contra o VIH começou assim que os cientistas isolaram o vírus e confirmaram que provocava a SIDA em 1984. Desde então, esta jornada científica seguiu três vagas de investigação, diz José Esparza, que publicou um relato histórico dos esforços de desenvolvimento de uma vacina contra o VIH em 2013.

A primeira vaga concentrou-se na ideia mais estabelecida: tentar estimular o sistema imunitário humano para produzir os chamados anticorpos neutralizantes, que inativam vírus específicos. Esta é a estratégia que muitas outras vacinas usam, incluindo as vacinas COVID-19. Durante anos, os investigadores trabalharam para identificar os anticorpos que as pessoas produziam ao responder à infeção por VIH, para depois desenvolverem vacinas que induziriam a produção de anticorpos semelhantes.

Mas o VIH acabou por se revelar um inimigo elusivo. Os anticorpos têm como alvo proteínas específicas na superfície de um vírus. Porém, o VIH sofre mutações que rapidamente se transformam em variantes que os anticorpos não conseguem reconhecer, o que significa que está sempre um passo à frente do sistema imunitário. Num estudo clássico, diz William Schief, os investigadores testaram repetidamente o sangue de pessoas infetadas com VIH e descobriram que os anticorpos produzidos pelos seus sistemas imunitários estavam sempre cerca de três a seis meses atrasados em relação ao vírus.

“O VIH continua a ser um alvo científico muito mais difícil do que o SARS-CoV-2”, diz Larry Corey, especialista em virologia, imunologia e desenvolvimento de vacinas do Centro de Investigação do Cancro Fred Hutchinson, em Seattle, e investigador principal da HIV Vaccine Trials Network. “Cerca de noventa e oito por cento dos humanos recuperam do SARS-CoV-2, enquanto que os que recuperam de VIH são zero em 78 milhões.”

No início dos anos 2000, os investigadores estavam a tentar desenvolver uma segunda vaga de vacinas contra o VIH, com base na ideia de usar as “assassinas” células T do corpo, semelhantes a soldados, em vez de tentarem estimular os anticorpos. A imunidade humana a longo prazo depende de dois grupos principais de células: as células B e as células T. Ambas ajudam a produzir anticorpos, mas as células T também procuram e destroem células infetadas. A ideia de vacinas à base de células T era estimular as células que reconhecem as proteínas internas no vírus.

Em 2007, esta ideia não só falhou em fornecer proteção num ensaio clínico randomizado chamado STEP, como também pareceu aumentar o risco de infeção por VIH. “O ensaio falhou miseravelmente”, diz José Esparza.

Mas esta não seria a única tentativa de desenvolvimento de uma vacina a fracassar. Após décadas de testes em humanos, só uma demonstrou algum grau de eficácia no mundo real. Concluída em 2009 na Tailândia, uma combinação de duas vacinas que adotou a estratégia da vaga um de indução de anticorpos conseguiu reduzir as taxas de infeção por VIH em 31% – não o suficiente para obter uma aprovação regulatória.

Visar as células B imaturas

A terceira e atual vaga de investigação de vacinas contra o VIH começou no final dos anos 2000, quando os investigadores descobriram que uma pequena minoria de pessoas infetadas com o VIH produz anticorpos particularmente fortes que podem neutralizar muitas estirpes do VIH de uma só vez. Os cientistas já identificaram dezenas destes anticorpos amplamente neutralizantes, que têm como alvo partes da superfície viral (bem como as proteínas espigão do SARS-CoV-2) que são consistentes de estirpe para estirpe.

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As pessoas que produzem estas proteínas não conseguem lutar contra o VIH porque os seus corpos só produzem este tipo de anticorpos quando a infeção viral já se instalou, e entretanto o vírus continuou a sofrer mutações, diz William Schief. Mas esta descoberta desencadeou uma nova ideia: talvez uma vacina eficaz pudesse estar um passo à frente do vírus, visando as chamadas células B imaturas (também conhecidas por células precursoras), que circulam no nosso sangue. Se uma vacina conseguisse fazer com que as células B imaturas adquirissem mutações que as transformassem em células que produzem anticorpos amplamente neutralizantes antes de uma infeção por VIH, então o corpo poderia responder quando se deparasse com o vírus pela primeira vez.

Em 2010, o grupo de William começou a trabalhar com uma classe de anticorpos amplamente neutralizantes chamados VRC01, os primeiros a serem descobertos pelo Centro de Pesquisa de Vacinas dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA. Primeiro, a equipa desenvolveu uma nanopartícula de proteína que se conseguia ligar às células B imaturas em amostras de sangue humano. Nos estudos feitos com ratos, a nanopartícula conseguia ativar estas células e fazer com que se multiplicassem e sofressem mutações para produzir anticorpos semelhantes aos VRC01. Este novo estudo tinha como objetivo saber se podia acontecer o mesmo com as pessoas.

Era um grande “se”. Apenas uma em cada 300.000 células B imaturas tem potencial para se desenvolver em célula que produz anticorpos VRC01. Mas numa análise sanguínea complexa, a equipa descobriu que 35 das 36 pessoas que receberam a vacina, uma “nanopartícula de proteína projetada”, produziram as respostas pretendidas das células B.

Estas descobertas, que estão em análise e ainda não foram submetidas para publicação, estão muito longe de mostrar qualquer tipo de efeito protetor contra o VIH, afirma William – embora muitos utilizadores mais exuberantes das redes sociais tenham feito parecer que uma vacina contra o VIH estivesse repentinamente ao virar da esquina.

“Alguém fez uma publicação há uma semana que indicava que o nosso ensaio estava a induzir respostas que conseguiam proteger 97% dos recetores da vacina contra o VIH. Isso não é de todo verdade.”

Eventualmente, diz William, as pessoas poderão obter uma sucessão de doses ao longo de semanas ou anos, começando com uma dose que inicia o processo onde o novo ensaio começou: interagindo com as células B imaturas corretas. As injeções subsequentes guiariam as células B para produzir anticorpos amplamente neutralizantes completamente maduros.

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“Estamos a tentar assumir o controlo do sistema imunitário e educá-lo passo a passo com uma vacina.” A mesma ideia pode um dia dar origem a vacinas contra o vírus Zika, hepatite C, malária e outros, incluindo uma vacina universal contra a gripe e futuros coronavírus.

Este trabalho também é um sinal importante de que os cientistas estão no caminho certo e acrescenta informações a um estudo recente que descobriu que administrar elevados níveis de anticorpos amplamente neutralizantes pode prevenir o VIH, diz Larry Corey.

“O grande avanço – e eu vou usar a palavra “avanço” – do estudo da Scripps é o de podermos administrar um antígeno que tem estas células precursoras em alta prevalência, e que não vão ser apagadas”, diz Larry. “Temos um grande avanço para dar o primeiro passo.”

Aproveitar a infraestrutura das vacinas COVID-19

Para além dos desafios científicos, a investigação de vacinas contra o VIH tem sido prejudicada pela falta de um sentido de urgência. A vontade pública e política, juntamente com os grandes investimentos da indústria, impulsionaram os esforços de desenvolvimento de uma vacina COVID-19 em tempo recorde, mas o VIH é uma doença que afeta desproporcionalmente grupos marginalizados, diz José Esparza. E as empresas farmacêuticas não queriam investir em ensaios dispendiosos de VIH até que os cientistas estabelecessem a parte mais básica da ciência.

“Se a sociedade valorizasse realmente uma vacina contra o VIH, teríamos feito vários ensaios de eficácia em paralelo, como aconteceu com a COVID”, diz José. “É dispendioso, sim. Mas o custo da epidemia de VIH tem sido enorme.”

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De acordo com um estudo, desde o ano 2000 até 2015, os gastos na saúde relacionados com VIH/SIDA totalizaram mais de 562 mil milhões de dólares em 188 países.

Assim, à medida que o mundo assiste à chegada das vacinas COVID-19 com uma velocidade sem precedentes, existe a esperança de que este entusiasmo proporcione um impulso para os tipos de esforços de desenvolvimento de vacinas a longo prazo que serão cruciais para combater o VIH.

As duas coisas já estão interligadas. Os esforços para o desenvolvimento de uma vacina COVID-19 aproveitaram a infraestrutura clínica, laboratorial e bioestatística criada pela HIV Vaccine Trials Network, diz Larry Corey. O grupo tem colaborado com a Moderna durante anos, acrescenta William Schief, para testar a entrega de mRNA das suas proteínas em modelos animais. E há planos de cooperação para criar rapidamente vacinas candidatas ao VIH para uso em ensaios clínicos em humanos.

Dado o entusiasmo com as vacinas COVID-19 e com a nova tecnologia mRNA, que rapidamente consegue produzir variações de vacina, este pode ser o momento que vai gerar de novo um interesse pela procura de vacinas contra o VIH, algo que também vai exigir a colaboração do público.

“Se conseguirmos desenvolver uma vacina contra o VIH”, diz William, “creio que a experiência mundial com as vacinas COVID pode tornar mais fácil a sua implantação.

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