« Nenhum trompete toca quando são tomadas as decisões importantes de nossa vida. O destino é anunciado silenciosamente.
» AGNES GEORGE DE MILLE
Depois do pequeno escândalo , no fim de um dia difícil para toda família, Miguel havia decidido passar a noite em casa da irmã e logo pela manhã fazer a viagem de volta para casa. Pois aquele lugar, claramente , já não era sua casa.
Mas sua mãe foi rápida ao interceptá-lo a saída.
– Onde vais de cabeça quente , meu filho?
Miguel parou e respirou fundo. Depois de um par de segundos virou-se e caminhou até a varanda, onde sua mãe estava sentada. Os sofás artesanais que enfeitavam a varanda eram iguais aos que haviam na época em que ele ali vivia. Mas via-se que eram novos, ainda conservavam a cor clara da palha recentemente seca. Sempre fora o lugar preferido da sua mãe, assistia o por do sol, de chávena de chá na mão, como se visse um espectáculo deslumbrante.
Miguel sentou-se do seu lado e segurou uma de suas mãos.
– Nenhuma decisão boa ou sábia é tomada de cabeça quente. Queres contar-me o que se passa?- Nada mãe, apenas… é a culpa que carrego por não ter estado presente quando meu pai mais precisou de mim. Acho que estou descontando em todos, quando devia procurar o perdão.
– Em todos? Ou apenas na Ana?
– A pergunta da mãe o pega desprevenido e Miguel engasga.Sua Mãe da-lhe leves palmadas nas costas enquanto Miguel tenta controlar o ataque de tosse que se apodera dele.-Estás melhor agora?
– Ela questiona, genuinamente preocupada.- Sim, mãe . Obrigado.
Encaram-se , em silêncio por alguns instantes. Miguel procura palavras para justificar seu comportamento sem que a mãe perceba a verdade. Uma verdade que ele mesmo recusa-se a aceitar.
– A principio eu nem sabia quem ela era. Não entendo por que continuou vivendo aqui , ela não me deve nada.
– Ana é uma boa moça. Respeita os mais velhos, aceita as nossas tradições . Não a tomes por tola por ter ficado aqui mesmo sem o marido por perto. Ana é uma mulher inteligente, e acredite, eu e teu pais levantamos as mãos para o céu por Deus a ter colocado em nossa vida. Tem sido uma filha dedicada, obediente e carinhosa. Trabalha duro, como tudo mundo aqui, é respeitada por todos aqui na Vila e pelas pessoas que trabalham para nós na fazenda. Ela cumpriu o papel dela e o teu, imagina que mulher carregaria essa responsabilidade após ter sido abandonada pelo esposo no altar?
As palavras de sua mãe causam em Miguel um misto de sentimentos. Orgulho , pela mulher forte e trabalhadora que sua esposa se tornou. Mas também algum ciúme pela forma como sua mãe enumera as qualidades dela, como se o tivessem substituído por ela. Uma desconhecida havia tomado o lugar vazio que ele deixou na vida de seus pais. Uma estranha que o intimidava tanto quanto despertava nele admiração.
– Mamã, eu não tinha como saber tudo isso. Eu me envergonho das minhas atitudes do passado, acredite. Gostaria de fazer algo para me redimir.
Sua mãe apenas o puxa para um abraço, pois palavras não alcançariam o quanto ela estava feliz por seu filho , finalmente, reconhecer seu erro.
– Durma aqui esta noite.- Sua mãe sugere.
– Tu ofereceste o meu quarto a Ana.- Ele reclama, mas o sorriso em seu rosto mostrava que não estava realmente magoado.
– E onde achas que a tua esposa deveria dormir? No quarto de hóspedes? Valha-me Deus!
Os dois partilham uma gargalhada e voltam ao interior da casa. Sua mãe havia preparado o quarto de hóspedes para ele. As irmãs e seus esposos despediram-se deles meia hora depois, com promessa de voltarem logo pela manhã para a reunião familiar que decidiria quem comandaria a fazenda agora que o patriarca havia falecido.
Miguel , sua mãe e Ana juntaram-se a mesa, para jantar. Os primeiros minutos foram no mais completo silêncio.
– Então é assim que os dois se vão comportar em frente de uma pobre velha que acaba de perder seu marido? Querem ver-me a chorar aqui?- A viúva fala, enfatizando o drama na última frase.
– Desculpa, mamã. – Ana é a primeira, incapaz de ver a pobre senhora sofrendo.- Esta casa não mudou muito desde a última vez que aqui estive. – Miguel muda de assunto, tentando aliviar a tensão na sala.- Realmente. Por várias vezes tentei convencer seu pai a mudar algumas coisas, mas sabes muito bem como era teimoso. Dizia que íamos matar a alma da casa, as memórias valiosas ali criadas em todos os anos que ali moramos. Teimoso e sentimental.
– Ela fala com o olhar perdido e um sorriso brilhante.- Eu o entendo. Há coisas que não se pode jogar fora pelo seu valor sentimental. Fazem parte de nós, é parte da herança que deixamos para a próxima geração.- Desta vez é Ana que intervêm.
– Eu não vejo mal em querer coisas novas, modernas, afinal o tempo não para. Algumas coisas só enche-nos as casas enquanto não servem para mais nada. Por exemplo o sofá da varanda, é novo, apesar de ser igual ao anterior. Havia necessidade de ser trocado apesar de mamã gostar tanto dele. Estava velho com certeza.-Só trocamos o sofá porque um dia mamã caiu ao sentar-se no antigo. Havia apanhado humidade e a palha não secou devidamente. – Ana solta uma gargalhada, ao lembrar-se do dia.
A mãe de Miguel a acompanha e Diego não consegue desviar o olhar da mulher sentada a sua frente. O sorriso o hipnotiza, o som do riso traz consigo uma alegria contagiante, uma inocência difícil de encontrar, uma paz e calma que enchem seu coração.
Depois do jantar e de arrumarem tudo ,todos recolhem aos seus respectivos quartos. A manhã chegou e Miguel sentiu que não tinha dormido o suficiente. Mas como queria voltar a cidade naquele dia, queria despachar logo a tal reunião e seguir viagem. Mas uma ideia não saía da sua cabeça, o medo que acontecesse com sua mãe o que aconteceu com o pai. Não poder ajudar por conta da distancia, não chegar a tempo de evitar o pior.
Os restantes membros chegaram para a reunião e antes de iniciar Miguel pediu a palavra.
– Em primeiro lugar gostaria de pedir perdão a minha mãe e minhas irmãs por ter faltado com elas. Sete anos é tempo demais para se estar longe dos que amamos. E espero que encontrem lugar em vossos corações para perdoarem-me.
Em segundo gostaria de , se possível, que me deixem levar a mamã comigo. Na capital ela pode ter acesso a melhores médicos, a uma vida mais confortável e menos dura que esta do campo. Eu gostaria de compensa-la por estes anos de ausência e de aliviar as minhas irmãs da responsabilidade de cuidarem dela.
A sala estava gelada depois da última parte do discurso. Estavam todos chocados e olhavam Miguel como se ele tivesse enlouquecido.- Eu aceito, meu filho. Mas só vou se a Ana for comigo.
Próximo capítulo brevemente
Publicado por Lilly Maxwell
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