« Quero o vulcãoque na terra não toca:o beijo antes de ser boca.
« Mia Couto- Poema « O instante antes do beijo »
Aquele dia triste e tenso chegava ao fim. Pouco a pouco os vizinhos e amigos deixavam a casa dos familiares do defunto, restando apenas os filhos e a viúva.

Ana afastou-se no momento em que Miguel sentou ao lado de sua mãe, para deixa-los conversar a vontade. Afinal foram anos de separação e havia muitas mágoas e feridas por sarar. E este era o momento certo para deixar tudo para trás.
Com a casa praticamente vazia, Ana recolheu-se para seu quarto. Decidiu aliviar-se da roupas pretas que usou durante todo dia colocou um vestido de alças cinzento que ia até um pouco abaixo do joelho.Ela precisava de um banho morno e demorado , mas teria que esperar que ficassem só ela e Adélia para estar a vontade.
Sentou na cama e esticou suas pernas, usando uma das almofadas para suavizar onde havia pousado suas costas. Pegou no livro que estava por cima da mesinha de cabeceira , um romance que estava a ler ha alguns dias, pois precisava de algo para ajuda-la a passar o tempo. Não demorou a perder-se na história e esquecer do dia difícil que teve.
Mas o som da porta a abrir ,alguns minutos mais tarde, a devolveu ao mundo. Ana olhou para a porta a tempo de ver Miguel entrar. O choque estampado no seu rosto deu-lhe certeza que ele não esperava encontra-la ali.
– Me desculpe! Eu..ham…não sabia que estava aqui alguém.- Ele fala , atrapalhado.
– Este é meu quarto. – Ana responde, puxando o lençol para cobrir seu corpo.
– Seu quarto?- Miguel questiona e seus olhos vão de encontro a fotografia por cima da mesinha de centro.
Sem pensar ele aproxima-se e pega no porta retrato, admirando a fotografia que já tinha anos.
– Vejo que muita coisa mudou por aqui. Este é o meu antigo quarto, não sabia que meus pais colocariam alguém a dormir aqui. E esta foto, meu Deus!
Miguel esboça um sorriso lembrando do tempo em que aquela fotografia tinha sido tirada. Ana continua no canto, em alerta, acompanhando cada movimento dele dentro do quarto.
– Bem , não queria incomodar. Só queria… na verdade não sei bem o que me deu para vir a este quarto. Mais uma vez me desculpe.
– Tudo bem.
Com o olhar, ela acompanha seus passos, enquanto ele caminha até a porta. Mas ele para antes de sair e fecha a porta. Ana fica aflita, sem saber o que fazer.
– Na verdade, eu queria entender porquê vives aqui. Isso é algo que deixou-me confuso, se é que me entendes.- Ele vira para olha-la.
– Ham…teus pais praticamente adoptaram-me, para tentar preservar a minha honra. Afinal de contas eu era uma mulher casada e pertencia a esta família segundo a tradição. Eu não fiquei feliz mas com o tempo aprendi a apreciar a companhia deles e aprendi muito com eles. deixaram-me trabalhar na fazenda, e é algo que gosto muito. Não me posso queixar- Explicou Ana.
– Então, queres dizer-me que em sete anos tu viveste aqui como se fosses casada comigo?- Miguel pergunta, espantado.
– Sim.- Ana murmura e baixa a cabeça.
– Eu… não queria que fosse assim. Achei que tivesse te libertado, para que escolhesses o homem que deveria tornar-se teu marido. E não um desconhecido.
Ana levanta-se, ligeiramente irritada. Atira o livro a cama e cruza os braços.
– Então eu deveria agradecer-te por me deixares plantada no altar. É isso?
– Olha, eu nunca quis casar-me daquele jeito e acreditei que não fosse tua vontade também.- Ele justifica-se.
– Então pensaste em mim quando tomaste aquela decisão sem me consultar. Humilhaste-me em frente das pessoas que me são mais próximas. Trataste-me como se fosse um nada, e não como um ser humano com sentimentos. E foste embora, deixando-me para trás , sem saber como seria minha vida depois de tudo que aconteceu. E hoje vens dizer-me que pensaste em mim? Poupe-me. Tu não pensaste em mais ninguém senão em ti. Nem nos teus pais que só queriam o melhor para ti.
– Eles traíram-me primeiro. Manipularam-me para que aceitasse o casamento.- Miguel levanta a a voz, não conseguindo manter o controle depois das palavras acusatórias de Ana.
– Que bebé chorão que tu és. Por que um homem de verdade não volta atrás com a sua palavra, honra os compromissos que faz, não sai correndo como um covarde.- Ana perde a cabeça e aproxima-se, com um dedo acusador em frente ao rosto de Miguel.
– Tu não me conheces. Eu não sou nenhum covarde.- Miguel responde furioso.
– Covarde. – Ana insiste e esboça um sorriso presunçoso que perfura o ego de Miguel, como uma adaga afiada.
Ele a segura pelos ombros num gesto ameaçador. Ana estremece mas faz de tudo para não mostrar seu medo. Ela o encara sem pestanejar, desafiando-o.
– Devias ter mais cuidado com as tuas palavras.- Miguel fala, ofegante.
– Tu não me metes medo.
– Essa tua língua afiada ainda vai te arranjar muitos problemas.- Os olhos de Miguel baixam e permanecem focados nos lábios carnudos de Ana.
Nesse momento ela percebe o quão próximo estão um do outro. Mas não se afasta a tempo de evitar o beijo , que mais uma vez , liga os dois em uma dança de amor e ódio. Dois sentimentos poderosos e devastadores que se confundem sempre que eles se encontram.
Mas segundos depois, Ana afasta-se deixando Miguel pendurado e quase delirando, depois do beijo que acabava de roubar.
– Fora do meu quarto!- Ana berra. descontrolada.
– O quarto é meu, na verdade- Ele responde, não querendo perder.
– Eu disse fora!- Ana abre a porta e no mesmo instante as irmãs e respectivos esposos aparecem no corredor.
– O que se passa aqui?- Questiona uma delas.
Miguel olha para Ana, e abana a cabeça antes de responder.
– Não se passa nada. – Ele sai e Ana fecha a porta em seguida, irritada por não perceber porquê Miguel tem o poder de transforma-la nessa mulher com sentimentos a flor da pele. Logo ela que sempre foi ponderada em suas atitudes, reservada em suas palavras e com um controle de dar inveja a muitos.
Ela decide que o melhor que pode fazer é evita-lo, até que se vá embora. Por que ela tem certeza que ele irá, muito em breve. E sua vida voltará ao normal, sem beijos roubados, sem sonhos molhados e toda essa loucura que a segue sempre que ele está por perto.
Próximo capítulo brevemente

Publicado por Lilly Maxwell
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